quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Nova aventura, viver sozinha!


Ano Novo, Nova aventura no Japão...


Depois de três meses a viver na residência, decidi que viver sozinha me traria muitas vantagens. Não é que a minha residência sej má, porque a DK House Warabi, tem umas instalações muito boas, quando comparada com muitas outras que tenho visto por estes lados. Contudo as desvantagens fazem-se sentir: a distância à Universidade – sim, a começar pelos 15 minutos a pé até chegar à estação de comboio, para depois apanhar três comboios das linhas mais complicadas de Tóquio! Só de pensar na hora que levo para chegar às e das aulas, e pior, pela dificuldade que é andar naqueles comboios apinhados e no meio de todas as confusões...Uff, não é fácil! – para além da distância, o facto de ser uma residência muito grande, em que não existem muitas divisões, fazem com que tenhamos de partilhar várias áreas com muitas pessoas – assim, por corredor (com cerca de 40 pessoas) partilhamos as casas de banho, e as máquinas de lavar e secar; para além disso os chuveiros e banhos são apenas dois, um para rapazes e outro para raparigas, para toda a residência, pelo que os partilhamos com todas as pessoas do mesmo sexo (calculo que com cerca de 50 raparigas, no meu caso), e finalmente, a cozinha e a sala comum, que são partilhadas por absolutamente toda a gente (a residência tem capacidade para alojar cerca de 120 pessoas!). Enfim, isto é uma realidade muito diferente da que tive em Inglaterra nas residências da Universidade, em que também dividia algumas divisões com os meus colegas de corredor (mas eramos apenas sete pessoas, e por isso era quase como se fossemos uma família! Lá a minha experiência foi mesmo algo de muito positivo, mas aqui, nem dá para conhecer todas as pessoas que vivem na residência, até porque há sempre pessoas a chegar e a partir. Agora vejo ser a minha vez, de partir.
Arrendar uma casa no Japão é uma das coisas mais difíceis com que já contactei. Enfim, acho que algo sério envolve sempre muita burocracia, mas aqui é de loucos! Comecei por procurar nas agências que alugam a estrangeiros, sim, porque só o facto de sermos estrangeiros nos fecha as portas de muitas agências, e o facto de não falarmos a língua ainda piora as coisas. Nestas agências de estrangeiros, como Sakura House ou Oakridge Houses, podem encontrar-se muitas casas, a maior parte delas conta já com alguma mobília, e têm vantagens como: não necessitar de um fiador (ou garantor) nem exigirem ‘key money’ (que basicamente costuma ser o equivalente a alguns meses de renda que são uma oferta ao senhorio – ou seja, ao contrário do depósito, este dinheiro nunca mais o vemos!). Contudo, dadas as vantagens, tinha de ter algumas contrapartidas. Normalmente a renda mensal é muito mais elevada do que nas agências nacionais. E depois de visitar um colega que vive num apartamento da Sakura Houses, concluí que as fotos do site não correspondem exactamente ao que depois se encontra! Por isso, tudo o que posso aconselhar, a quem procura um novo lugar para morar, é que tenham muita atenção a tudo antes de se comprometerem.
Como estava a ser muito difícil encontrar um lugar para mim, pedi ajuda a todas as minhas amigas aqui no Japão. E através da minha sempre próxima MM, e da sua mãe, consegui encontrar o sítio para onde me mudarei brevemente, e que ainda por cima fica perto da casa dela. Através de uma amiga da família, que tem uma agência imobiliária, encontrei um apartamento bem pequenino (apenas 16 metros quadrados), mas que se encontra num local calmo e bonito, e que é um apartamento completo, ou seja, conto com um quarto, uma pequena cozinha e casa de banho completa, e ainda uma pequena varanda. A primeira vez que o fui ver, depois de a MM já me ter dito o preço da renda e assim, assustei-me. Entrei num apartamento completamente vazio. Nada mais que as paredes. Nem cama, nem uma só estante, nem frigorífico, ou bico de fogão. Nada! Depois me lembrei que isto é normal. Normalmente é assim, mas eu só pensava em quanto teria de gastar para me conseguir mudar. Novamente, pude contar com uma grande ajuda da minha amiga, cuja família se empenhou a arranjar tudo o que é essencial numa casa. Contando com as coisas deixadas por familiares que haviam falecido e de coisas que as famílias já não usam, o meu apartamento conta agora com tudo o que preciso, e muito mais, para viver sozinha, confortavelmente, e por isso dia 10 vai ser o dia de deixar definitivamente a DK House. De lá conservo as boas amizades que fiz, e com quem vou continuar a conviver, nas aulas e nos meus tempos livres! Vou começar uma nova fase aqui por estes lados. Viver sozinha! Mas a verdade é que sinto que nunca vou estar realmente sozinha, até porque vou estar perto da MM, e com ela, e com a familia dela a quem devo tanto, e a quem agradeço muitíssimo toda a ajuda que me têm dado, vou de certo aprender mais sobre como é viver no Japão.

Devo desculpar-me muitíssimo com todos quantos têm visitado este blog. Esta tem sido uma das razões pelas quais tenho andado ainda mais atarefada ultimamente, e que me tem impedido de vos dar tantas notícias como gostaria. Esta é uma época peculiar, a primeira vez que passo o Natal e a Passagem de Ano longe da minha família e amigos próximos, nunca pensei que me afectaria da forma como o estou a sentir... Este pequeno vazio, que nem com a companhia de novas amizades, nem com novas viagens e experiências se preenche! Mas enfim, cá vamos continuando a viagem pelo país do Sol Nascente. A todos quantos me visitarem aqui, e apesar de atrasadita, deixo os meus mais sinceros votos de um Feliz Natal e umas entradas em grande no ano de 2009 que se aproxima, e que segundo o horóscopo oriental será o ano do Boi/Vaca (uma vez que eles não têm divisão em género). Infelizmente o meu ano chega agora ao fim, está na hora de dizer adeus ao Ano do Rato, e de dar as boas-vindas ao próximo. Espero que o próximo ano me traga mais alegrias que este, e o mesmo desejo para todos. Olhando para trás não posso estar senão agradecida! Tenho muito porque agradecer: a oportunidade de trabalhar com pessoas fantásticas, em todas as actividades em que participei; a bolsa de estudos que me trouxe ao país que desde há muito sonhava poder conhecer, e que me dá a oportunidade de continuar os meus estudos, e a minha investigação; a oportunidade de conhecer novos mundos, culturas e línguas; e sobretudo, a oportunidade de travar novas amizades e conhecer pessoas que se têm vindo a tornar extremamente importantes. Por tudo isto estou muito grata ao ano de 2008, penso que, devagarinho, este ano me levou mais perto de descobrir quem sou e o que quero para o meu futuro. Que 2009 me ajude a continuar esta viagem, e que ajude todos a alcançar o que desejam,



Boas Festas a todos



(fonte:ttp://www.sonoo.com.br/mike.html)

P.S.: Já agora para os curiosos, aqui fica esta imagem onde podem ver todos os signos do horóscopo Japonês (e Chinês, mas este tem mais dois signos), e para saberem qual o vosso signo basta seguir a roda no sentido dos ponteiros do relógio, e saber que cada signo corresponde a um ano (mais ou menos, isto não é exacto e pode não funcionar para quem nasce em início de Janeiro), e que em 1984, assim como em 2008, foi o ano do Rato, por isso basta contar para trás e para a frente!

sábado, 13 de dezembro de 2008

A Epopeia de um dia...

Em primeiro lugar tenho de me desculpar por passar tanto tempo sem adicionar novas entradas, mas os meus dias andam muito curtos. Alguém devia tomar a iniciativa de acrescentar algumas horas às 24 já existentes - se bem que o mais provável era que eu acabasse por as ocupar igualmente. Não há volta a dar-lhe, quanto mais tempo tenho, mais necessito de o ocupar para me sentir realizada, por isso acho que devo reconhecer-me como 'Hello, my name is Vera, and I am a workaholic!' (sim, sou, mas desde que me sinta bem, acho que não devo mudar! Dito como uma verdadeira viciada).
Hoje é um dia especial para mim, pois como muitos de vocês sabem, fico hoje um aninho mais velha! Achei por isso que seria bom dedicar-me um pouco a reflectir sobre o que tem mudado na minha vida com o passar do tempo. A verdade é que quando penso no que sou no dia-a-dia nem dou pela passagem do tempo. A maior parte das vezes não me sinto mais velha que um teenager. Mas depois vêm as reuniões com professores sobre as minhas pesquisas, as inscrições em conferências e as tentativas de publicação, e de repente é como se me visse outra pessoa, muito mais velha. E assim, vou balançando entre idades, sem conseguir definir-me pela minha idade que aparece no BI.
Tanta coisa tem mudado, e tem-me feito mudar nos últimos anos. Licenciei-me, entrei para o mercado de trabalho de professores em Portugal (palavras para quê, todos conhecem a situação, alguns em primeira mão), dei aulas numa primária (algo que achava que não iria conseguir, e a verdade é que acabei por reconhecer o quão positiva essa experiência foi para mim), trabalhei part-time na Decathlon (que se tornou numa das melhores experiências que podia ter tido, em que descobri muito sobre mim e aquilo de que sou capaz, e em que fiz amizades extremamente importantes e que espero manter toda a vida!). Depois de tudo isto, embarquei na minha aventura de um doutoramento sem parte curricular, e andei por vezes a navegar sem rumo, até me decidir a contornar o Cabo das Tormentas e enfrentar o meu mais formidável Adamastor. Vim para o Japão, sem grandes conhecimentos da Língua Japonesa! E desde então a minha vida tornou-se uma saga de aventuras que nem sempre se desenrolam da melhor forma.
Neste momento estou a estudar na Universidade Sophia (ou Jochi Daigaku), que é uma Universidade privada católica em Tóquio. Sou aluna de doutoramento, e por isso conduzo sozinha a minha pesquisa sobre a o Ensino da Língua Portuguesa como Língua Estrangeira aqui. Mas, simultaneamente, e por causa da Bolsa de estudos que me foi concedida pela JASSO, sou também aluna de Língua Japonesa (como aluna não licenciada), e aluna do Mestrado em TESOL (Ensino de Inglês para falantes de outras línguas) . No total as minhas cadeiras são quatro, o Japonês (que me dá mais trabalho que todas as outras juntas, mais a minha investigação!), e as três de mestrado: Intercultural Interaction, Affective Factors in TESOL, e Action Research, todas elas em Inglês. Ando normalmente a correr entre os trabalhos de casa e os milhões de testes semanais que tenho de Japonês e os muitos capítulos de leitura obrigatória para as demais cadeiras. Por um momento senti-me frustrada, e pensei que tinha feito mal ter escolhido todas estas cadeiras, mas agora estou a conseguir rentabilizar tudo o que aprendo para a minha pesquisa de doutoramento, e tenho aprendido muito sobre quem eu sou, enquanto pessoa e enquanto professora, nestas cadeiras, com os meus professores e com os meus colegas, todos eles tão distintos de mim.
Para além da minha vida académica, consegui finalmente, depois de algum esforço, ser contratada por uma escola de Línguas privada (aparentemente muito famosa aqui por estes lados), onde me encontro a dar aulas de Inglês. Neste momento tenho dois alunos no Success course, às quartas na escola sede da empresa. Para além desses tenho agora mais uma aluna, mas desta vez nas aulas de café - que são aulas mais casuais, que se combinam em sítios públicos, e mais centradas em conversação.
E finalmente, como não podia deixar de ser, estou numa actividade extra-curricular que é o Shorinji Kempo, que estou a adorar, ainda que as nódoas negras se comecem a acumular!
Uff, parece muito? Então imaginem que diariamente me levanto pelas 6 da manhã. Saio de casa pelas 7.30 para poder chegar a horas para a minha aula das 9.15. Vou normalmente ao Shorinji na hora de almoço, desde 12.30 até às 13.30. Mesmo que não tenha aulas, fico na Universidade a estudar e a fazer os meus trabalhos para a semana (algo que consigo normalmente à justa). chego normalmente a casa por volta das 19h, excepto às quartas, quintas e sábados, em que normalmente só chego por volta das 22h ou mais. Ao Domingo dou a minha aula de café! Entretanto andei em correrias entre departamentos, em comboios apinhados, no meio de multidões de pessoas a correr de um lado para o outro. Enfim, as voltas e viravoltas diárias de alguém que precisa aprender a parar um pouco.
Olhando para trás, penso em tantas outras coisas que gostaria, poderia, deveria ter feito, e por vezes isso entristece-me. Penso no "What if", e os 'ses' por vezes fazem-nos arrepender e sentir menos bem em relação a muita coisa, mas sabem que mais, eu considero que todas as nossas escolhas são as acertadas, porque podemos aprender com todos elas, ainda mais com as menos boas!.
Se morresse hoje (o que seria irónico uma vez que as datas de nascimento e de morte seriam uma e a mesma!), a verdade é que não me arrependo de quase nada. Tenho uma família e amigos que me são muito próximos, e com quem posso sempre contar. Pesssoas que me adoram e que eu adoro também. Vivo experiências diferentes que me fazem crescer enquanto pessoa, e batalho pelos meus sonhos na esperança de um dia poder olhar para o meu percurso de vida com a satisfação de ter vivido e alcançado aquilo que desejava. Cometi imensos erros, e já mandei com a cabeça na parede algumas vezes, mas aprendi com todas essas experiências. Já vivi períodos de grande ansiedade, tristeza, incerteza, solidão, enfim, de tudo, mas com esses aprendi muito mais do que todos aqueles que correram sobre rodas. E acima de tudo, sinto-me completamente capaz de dizer que sou muito sortuda porque, pelo menos, fiz as coisas "à minha maneira".
Deixo aqui um pequeno vídeo com algumas das coisas que mais me fazem lembrar o quão boas são as minhas lembranças de Portugal, espero que gostem. Pode não parecer, pela minha falta de notícias, mas a verdade é que estão sempre no meu pensamento, e tenho imensas saudades de todos.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Nikkagetsu (Dois meses)

Nikkagetsu, como o tempo voa sem parecer que se mexe tão depressa quanto gostaríamos. Como é esquisito o tempo... Voa, quando gostaríamos que ele parasse num determinado momento para o podermos aproveitar ao máximo. Depois, existem aquelas alturas em que os ponteiros parecem não querer mexer, e vão-se arrastando, preguiçosamente, pelos pontos que marcam as horas no relógio, e tudo parece demorar uma eternidade a acontecer. Realmente o tempo é difícil de compreender, mas bem, tal como dizia a célebre frase: "O tempo tem tanto tempo, quanto tempo o tempo tem", cabe a cada um de nós marcar o compasso.
O tempo tem brincado comigo. Em correrias e jogos de escondidas, umas vezes a voar velozmente pelos céus, outras vezes parado como se tivessem carregado no botão de pausa...esse malandro tem andado a fazer das suas aqui por terras de bolas e dragões.

O nosso amigo Saikyo continua nas suas eternas correrias, assim como os demais dragões seus companheiros. As bolas, essas, continuam na mesma. Sempre com pressa, sempre a andar, passando por cima de tudo e todos para serem os primeiros a chegar... a onde é que eu ainda não percebi. Que diferentes são estas bolas, todas elas fechadas nelas próprias, cada qual pensando na sua vida, de olhos bem fechados e ondulando no movimento do corpo do dragão que segue sempre, sem nunca voltar a atrás. Não tenho a certeza daquilo que procuram. Não sei se não será algo dentro delas mesmas, mas, tal como eu, o Saikyo também não me parece que saiba.

O Saikyo e eu temos falado algumas vezes. As nossas conversas são de uma dimensão estranha, não são verbais. As palavras não são capazes de descrever as nossas conversas. O Saikyo e eu comunicamos por pensamentos, é quase uma partilha de estados de espírito, que se assemelham e aglomeram num só. Pode aprender-se muito com um dragão como o Saikyo.

No país das bolas, o tempo é algo que se escapa por entre os dedos, tal e qual como uma enguia. Para mim, lidar com isso não foi particularmente mau, mas a verdade é que começava a sentir que esse tempo a esgueirar-se me era precioso e me fazia falta. Então, um dia, durante as minhas conversas de pensamentos com o Saikyo, ele ofereceu-se para me ajudar a conhecer novas realidades ainda que o tempo possa querer fugir. Desde então, o Saikyo e eu temos feito muitas viagens, mas nem todas elas físicas - em boa verdade, essas são as menos interessantes de todas as que fazemos.

Com o Saikyo, de mão dada, sigo para mundos que são completamente diferentes daquele em que vivo todos os dias. Tal como o dragão da História Interminável (Never Ending Story) que via quando era pequena, também o Saikyo me transporta para uma dimensão diferente. Um mundo feito de sons que nos enchem os ouvidos; de letras que se juntam para formar palavras; de palavras que se juntam em frases; numa combinação coordenada que nunca mais acaba. Durante as minhas viagens aprendo muito. Aprendo coisas novas que não conhecia antes, vejo locais que nunca tinha visto, mas o mais importante são as coisas que aprendo sobre mim.

Em breve poderei contar algumas das minhas aventuras com o Saikyo, numa altura em que o tempo não esteja a correr em sprint, tal como a Lebre Branca em serviço de Sua Majestade a Rainha de Copas com medo de perder a cabeça se se atrasar!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Kimono

Estar no Japão tem vindo a oscilar entre o muito positivo e o bastante negativo. Com calma as coisas vão seguindo lentamente o seu curso, e as saudades que apertam muitas vezes vão sendo apaziguadas com longas horas de conversa online, e com muitos emails de e para Portugal.
Para acalmar as saudades mantenho-me tão ocupada quanto possível - não é que precise de me esforçar muito, afinal de contas só as minhas aulas de Japonês com os seus, em média, três testes semanais, consegue deixar-me sem tempo para o quer que seja. Mas nem tudo pode ser trabalho, e vezes há em que arranjo um tempinho para fazer algo extraordinariamente especial. Experimentar coisas tradicionalmente Japonesas tem vindo a provar um dos melhores remédios para me ajudar a ver o lado positivo de aqui estar, e para acalmar as saudades...
Pois é, aqui há uns dias atrás, numa bela tarde de sábado, a minha amiga MM convidou-me e à minha amiga Mexicana M, para irmos ter com ela para uma aula muito especial. Ela anda a frequentar um curso para aprender a vestir o Kimono, o traje tradicional Japonês que tem tantas regras para ser usado, que ela vai ter de o frequentar durante três anos, duas vezes por mês. Existe uma grande variedade de Kimono, cuja tradução literal significa 'algo para usar'. Cada um tem a sua ocasião e estilo para ser usado. Meninas e senhoras usam Kimono de forma diferente de modo a mostrarem claramente o seu estado civil. Isto já para nem mencionar o sem número de acessórios e técnicas necessárias para conseguir vestir o Kimono. Podem bem duvidar, mas existem alguns tipos de kimono que uma pessoa a vestir-se sozinha simplesmente nunca poderia usar. Para quem quiser saber um pouquinho mais sobre esta vestimenta tradicional o site http://en.wikipedia.org/wiki/Kimono tem algumas informações muito úteis, ainda que esteja em Inglês (infelizmente a entrada na página escrita em Português é muito pobre, como se passa com tantas outras entradas).
Nesta tarde fomos levadas para um salão onde duas professoras de técnica de Kimono se encontravam a ensinar a jovens e a mulheres já maduras a arte de usar o traje. Enquanto a minha amiga tinha a sua aula (que foi dedicada a aprender como usar um Kimono formal que as mulheres casadas usam, sobretudo em casamentos), eu e a M fomos convidadas a experimentar um Furisode (que é um Kimono formal que as jovens solteiras usam, por exemplo num casamento, depois de entrarem na maioridade, aos 20 anos, e que se caracteriza particularmente pelas suas longas mangas, que indicam o estado civil da jovem). Depois de escolhidos os padrões para cada uma de nós, - o que foi complicado para a M, que por ser mais alta do que a média Japonesa quase que não tinha nenhum que lhe ficasse bem em altura, - começou o processo de nos vestir a rigor. Fui primeiro! E quando me dei conta, estava rodeada por três senhoras cada qual muito empenhada numa parte da vestimenta. Jamais alguma jovem consegue vestir este Kimono sozinha. Três senhoras experientes a vestir kimono e mesmo elas tiveram de se socorrer dos manuais algumas vezes, sobretudo quando se tratou do obi, que é a faixa de seda que aperta a zona abaixo do peito, e como podem constatar nas fotos que deixo abaixo, é mesmo muito trabalhado atrás. Uma das professoras, foi-nos dito depois, é uma especialista em arranjos de obi, sendo que viajou pelo mundo a ensinar como os arranjar, porque aparentemente tem a habilidade de transfomar o laço do obi em qualquer flor que deseje.
Demora imenso tempo a vestir um kimono, e durante esse tempo parecia que eu tinha sido transportado para outra era, para outra realidade. Uma era de rainhas e de aias, e senti-me estranha por tudo me estar a ser feito. A passividade é algo de difícil aceitação hoje em dia, mas nada se pode fazer quando existem tantos pormenores à frente, atrás e dos lados, e tudo tem de ficar perfeito.
O resultado foi de cortar a respiração. Quase não me reconheci. Dentro daquela seda lindíssima, cujo padrão somente já fascina. Claro que nunca poderia parecer nada mais nada menos do que uma estrangeira com uma 'pele' que não é a sua, mas foi interessante brincar a este 'faz de conta'. Senti-me numa história diferente da minha, senti-me outra por momentos, e isso fez-me pensar sobre quem eu sou, e quem gostaria de ser. É neste momento que, aqueles que me conhecem melhor, se perguntam, mas então onde está o teu lado feminista? Realmente ir a uma aula de Kimono, e depois tomar chá e bolos com as demais senhoras, vestindo belos Kimono, parece algo de muito tradicional e muito à mulher antiga. Mas a todos que se interrogam, a verdade é que a experiência foi fascinante, e afinal, ser feminista significa que eu posso fazer tudo quanto quero porque quero, e não porque a sociedade me obriga a isso, ou pelo menos é isso que significa para mim. Tive uma belíssima experiência tradicional, e conheci senhoras Japonesas muito interessantes, que resistiram à segunda guerra mundial e que têm histórias de vida mais fascinantes do que as de alguns livros de ficção.
Deixo-vos uma breve amostra da minha experiência. Sei que vou parecer um tanto estranha, mas por favor reparem no belíssimo kimono que estou a usar, porque é realmente belo, e ainda por cima tem duas das minhas cores preferidas. Simplesmente extraordinário.



Apenas um breve pensamento final,
"I, with a deeper instinct, choose a man who compels my strength, who makes enormous demands on me, who does not doubt my courage or my toughness, who does not believe me naïve or innocent, who has the courage to treat me like a woman." ~Anaïs Nin
(Eu, com o meu instinto mais profundo, escolho um homem que impulsiona as minhas forças, exige muito de mim, que não duvide da minha coragem ou da minha resistência, que não me tenha por ingénua ou inocente, que tenha a coragem de me tratar como uma mulher).
*A título de curiosidade: Anaís Nin é o nome porque ficou conhecida Angela Anaïs Juana Antolina Rosa Edelmira Nin y Culmell, uma autora cubano-francesa. No cinema existe um filme baseado na sua relação com Henry Miller, intitulado Henry and June, em que o papel de Nin coube à nossa grande Maria de Medeiros.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Fotos do Halloween

Uma breve missiva apenas. Acabo de receber algumas fotos que os meus colegas tiraram comigo no Halloween, comigo a fazer o cosplay de Haruhi. Todos nestas fotos vivem na mesma residência que eu. Fiz um pequeno clip, espero que gostem.
Na primeira estou sozinha, mas podem ver a minha fatiota (e perceber a razão do meu embaraço!!!). Na segunda, sou eu e o S, que é Americano, entretido com a DS. O E., Americano de pais Japoneses, que pareceu achar interessante puxar os lacinhos. Depois sou eu e a M., uma das pessoas com quem eu ando mais, sobretudo porque vivemos juntas, e estamos na mesma aula de Japonês, e que é Mexicana! Novamente com o S. que desta vez já está a 'olhar para o passarinho'. Eu e a D., que nasceu em Hong Kong mas que vive na América já há alguns anos. E finalmente, eu o S. e o E., que aproveitaram a minha altura para me usar como suporte (o que seria desnecessário se não tivessem bebido tanto :P - estou a brincar, ambos ainda tinham controlo sobre o equilíbrio!).
E pronto, espero que gostem!

domingo, 9 de novembro de 2008

Dar valor ao que se não tem...

Os meus fins-de-semana começam a proporcionar-me momentos óptimos de imersão na cultura tradicional Japonesa, e quase sem dar por isso sou levada tal como a Dorothy para um mundo mágico de tradições e rituais antigos que me condicionam e me fazem apaixonar cada vez mais por esta cultura tão distinta da minha. Uma cultura de contrastes e de oxímoros quotidianos, mas que de vez em quando se transforma em sonho em vez de pesadelo, e que me leva, de olhinhos a brilhar, a ver algo diferente e a descobrir coisas novas, enquanto me redescubro a mim mesma.
Este foi um fim-de-semana extremamente rico. Sim, é verdade que ainda estou no Domingo, mas acho que o mais surpreendente já merece ser aqui reportado.
Tudo aconteceu na sexta-feira (7 de Nov., 2008). Há cerca de três semanas atrás, na aula de Japonês foi-nos dada a possibilidade de assistir a uma peça de Kabuki (Teatro Tradicional Japonês reconhecido pelas suas histórias retorcidas, pelo uso de maquilhagem e guarda-roupas fantásticos, assim como por ser apresentado por troupes de homens somente - para quem quiser saber mais: http://pt.wikipedia.org/wiki/Kabuki), por uma quantia de cerca de um quarto do preço original. Foi uma oportunidade a não perder. O espectáculo era em Heisei-Nakamuraza, o teatro da família Nakamura, uma das troupes mais conhecidas do Japão, situado na bela e tradicional Asakusa, com o seu grande templo Shinto. Foi em grande expectativa que subi os degraus para o segundo andar do teatro, e me sentei no meu lugar, directamente por cima do palco (ou seja, atrás das cortinas!). Foi a melhor coisa que podia ter acontecido! A vista da peça foi óptima e ainda pude ficar a saber como se processam as coisas ao nível do backstage (mudanças de cenário, maquilhagem e trocas de roupa em palco, substituições e saídas dos actores...), enfim, todos aqueles pormenores extra que só enriqueceram a minha experiência no Kabuki. Vi uma peça famosa no Japão, normalmente intitulada por Hokaibo (Sumidagawa Gonichi No Omokage - para saber mais: http://www.lincolncenter.org/load_screen.asp?screen=Hokaibo, em Inglês). Sem ter levado o meu suporte auditivo em Inglês, assisti à peça como quem assiste a uma peça de bailado, e pelo movimento e dramatização consegui perceber tudo aquilo que procuravam transmitir (ainda que tenha perdido muitas das fontes verbais do cómico!). Foi algo de único, mágico mesmo. Conseguem de certo imaginar, eu, lá sentada, com os olhinhos a brilhar, sobretudo quando: a personagem principal, o líder da troupe (Nakamura Kanzaburo, na imagem), aparece mesmo por trás de mim, para entrar na cena seguinte. Não há palavras! Nunca vou esquecer esta minha experiência no Kabuki, e desde agora sou fã desta arte (ainda que tenha tenha reservas sobre as mulheres serem proibidas de fazer parte deste espectáculo). No final da peça, depois de vários minutos a aplaudir de pé, e das cortinas terem sido abertas três vezes, finalmente acordámos do sonho, e 'voltámos ao Kansas', não sei se com mais coragem, mas certamente com um cérebro e um coração mais ricos. É certamente uma experiência que tenho de repetir. Foi algo de fascinante para mim.


Mas porque será que só damos valor ao que perdemos, ou ao que não é nosso? É cada vez mais verdade que "A galinha da vizinha é sempre melhor do que a minha!", e isso foi óbvio para mim ontem (Sábado). Fui encontrar-me com a minha amiga MM, de quem já falei e com a sua mãe, (para uma experiência alucinante que marcou este fim-de-semana, mas sobre a qual reflectirei noutra oportunidade) e contei-lhes a fantástica experiência que tivera no Kabuki no dia anterior. Elas ficaram muito contentes por ouvir tudo, mas confessaram nunca ter ido assistir a Kabuki, nem conhecer a peça que eu tinha ido ver. Reflectindo sobre isso, lamentei o facto de não darmos o devido valor às coisas maravilhosas que temos. Os Lusitanos não podiam ser melhor exemplo disso mesmo. Aproveitemos para pensar...Quantos de nós leram a 'Bíblia Nacional' que são os Lusíadas e que tanto dizem do nosso povo, da nossa história e dos nossos costumes? Quantos de nós preferem viajar dentro do país a ir passar férias fora? Entristece-me ver que muitos de nós não apreciam realmente as coisas belas que tomamos como certas. Quantos de nós já frequentaram uma casa de fados? Eu ainda não, mas sinto-me cada vez mais impelida a fazê-lo, afinal, estou sempre em contacto com pessoas de outras culturas, sou como uma 'emissária cultural' da minha cultura, e sinto a necessidade de ser capaz de a dar a conhecer aos demais. Mas será que mais pessoas pensam como eu?
Sou Gaikokujin, uma estrangeira aqui, e olho para tudo com a admiração e o interesse de alguém de fora que quer descobrir tudo ao máximo. Espero continuar a desenvolver-me no sentido de um dia, poder alcançar um estado que me faça olhar para tudo com a objectividade e com a curiosidade de quem vê de dentro para fora...tal como Eduardo Lourenço, esse nome tão ilustre da nossa sociedade, espero viver nas margens com mais intensidade do que quem vive no centro.
Tudo tem alguma beleza, mas nem todos são capazes de ver. (Confúcio)
Um pequeno post-scriptum: Ao sair do meu lugar e a dirigir-me para as escadas do teatro reparei que havia grande movimentação junto dos lugares VIP, e qual não foi o meu espanto ao saber que, nem mais nem menos do que Hayao Miyazaki (http://pt.wikipedia.org/wiki/Hayao_miyazaki), uma lenda viva do Anime, e figura ilustre da sociedade Japonesa contemporânea, estava ali, a alguns metros de onde me encontrava! Foi um encerro com chave de ouro!

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Banho de cultura ao Domingo

Há pouco mais de um século atrás a elite cultural portuguesa procurava ir a Paris todos os anos para o seu banho de cultura anual. Pois bem, os tempos mudam, e os banhos de cultura já não são como eram. Eu experimentei o meu próprio 'banho de cultura' aqui no Japão.

Depois da quadra de Halloween, que quer se queira quer não, é mesmo para a paródia, fui convidada para almoçar no Domingo (dia 2). O convite veio da Professora Mita, uma professora do Departamento de Português, que se encontra em sabática este ano, e que eu ainda não conhecia. A professora convidou-me a comparecer no Domingo, no Takashimaya Times Square (um dos centros comerciais mais VIP de Shinjuku, mesmo no coração de Tóquio. Claro que o estatuto VIP paga-se, e as lojas são de Boss e que tais para cima!). Fiquei entusiasmada com a oportunidade de conhecer este novo local, e de poder apreciar a dinâmica de circulação de pessoas por lá. Para além de mim, mais três alunos foram também convidados, dois Japoneses que se encontram a escrever as dissertações de Mestrado, e uma Brasileira de ascendência Japonesa que se encontra cá em Doutoramento.



Exactamente às 13h em ponto eu encontrava-me em frente do restaurante, onde já se encontrava tanbém uma das outras convidadas, a aluna de Mestrado Japonesa. Até lá chegar fui observando a circulação de pessoas. Mesmo num sítio tão caro foi impressionante a diversidade de pessoas que lá se encontrava, podendo mesmo notar-se uma grande diversidade de condições socio-económicas, sobretudo nas áreas de restauração. É bom explicar o porquê da escolha do sítio para este almoço: o Takashimaya tem 14 andares, e a zona de restauração ocupa os dois últimos, sobretudo. As vistas dos restaurantes, não é de admirar, são verdadeiras panorâmicas sobre a cidade. Penso que será um dos motivos que atrairá tanta gente a este local, ainda que fuja um pouco às bolsas, até para a classe média.



O almoço decorreu agradavelmente, sempre com conversas a tocarem temas interessantes, nomeadamente envolvendo relações culturais e linguísticas entre o Brasil, o Japão e Portugal. Debateu-se muito sobre o ensino e a aprendizagem. Debateu-se sobre questões de imigração, enfim, foi um 'banho de cultura' para todos nós, sobretudo porque todos provindo de culturas e experiências pessoais distintas, pudemos aprender todos uns com os outros, particularmente com a Professora Mita, que muito mais experiência de vida tem do que nós.



Uma pequena nuvem cinzenta tolda as minhas memórias deste almoço, pelo que me senti na obrigação de me desculpar perante os demais participantes, em particular com a Professora Mita que tão gentilmente me convidou. O restaurante era um típico restaurante Japonês, de Sashimi. Para os que pouco conhecem da gastronomia Japonesa, o Sushi descreve o comer de peixe cru com arroz, sendo que o foco é o arroz, enquanto que o Sashimi, descreve também a mesma experiência, desta vez concentrando-se no peixe cru. A grande diferença é que: enquanto no sushi existem pratos, como o makisushi ou makizushi, que engloba o peixe cru enrolado em arroz e com alga por fora, no sashimi, as postas de peixe cru vêm separadas do arroz, sendo comidas depois de molhadas em molho de soja com outras ervas aromáticas. Infelizmente, o meu paladar pouco habituado a peixe cru fez das suas, e apesar das caras deliciadas de todos os demais participantes, foi com algum esforço que eu comi a maior parte da comida que me foi servida. Desculpei-me, evidentemente, e expliquei que a adaptação a estes paladares ainda não se completou para mim, ainda que já consiga tolerar e até apreciar alguns tipos de makizushi (em particular o de salmão, que é realmente o meu preferido). Todos concordaram que era algo de difícil habituação. Espero que não tenham levado muito a mal esta minha 'deficiência' gastronómica. Contudo, durante as minhas aulas esta semana, com Japoneses, este assunto foi abordado e fiquei a saber que muitos são os Japoneses que também não apreciam sashimi. De repente senti-me muito mais leve!



O almoço esse, voltando ao assunto desta pequena reflexão quotidiana, prolongou-se depois com um café num bar acolhedor até cerca das 17.30h. Foi um dia muitíssimo interessante para mim, e penso que para os demais também. Foi óptimo conhecer pessoas novas e interessantes, e sobretudo ter a oportunidade de conviver com pessoas de forma algo diferente daquela que experimento diariamente, nas aulas, na residência, ou nas saídas com o pessoal. Espero ter mais alguns banhos de cultura por cá, quem sabe em breve...

domingo, 2 de novembro de 2008

Halloween

Halloween, a Noite das Bruxas, já chegou e já passou. Viver esta data aqui deste lado revelou-se uma mistura de experiências que eu não pensava alguma vez passar. Para começar porque vive a quadra de duas maneiras completamente distintas, e depois para ajudar ainda mais à confusão, decidi fazer uma coisa que nunca tinha feito, e que apesar de engraçada, foi bastante constrangedora.
Comecemos pelo princípio. O princípio da minha entrada na quadra de Halloween foi no Sábado, dia 25 de Outubro – sim, eu sei, parece muito cedo, mas se pensarem no auge do consumismo que é Tóquio, a promoção da quadra começou mais ou menos quando eu aqui cheguei, em Setembro. Mesmo não sendo uma tradição muito antiga aqui no Japão, o Halloween reune cada vez mais adeptos, e as lojas e comércio em geral aproveitam qualquer desculpa para promover o negócio, então é a loucura: desde bolos enfeitados ao espírito da época, até doces criados de propósito, até chegarmos ao auge: os fatos de cosplay (Cosplay significa vestir-se como uma personagem de anime, é algo muito popular entre os amantes do género em todo o mundo! Sobretudo aqui!).
Pois foi, no dia 25, eu e os meus dois amigos Mexicanos, fomos até Umegaoka, uma localidade dentro de Tóquio, muito bonita e acolhedora. Lá vive a minha amiga MM, cuja mãe é professora de Inglês e estava a organizar uma festa de Halloween para crianças. Eu e os outros dois fomos convidados a participar na festa. Foi uma loucura! Desde o meio-dia até às cinco da tarde estivemos os três espalhados na saída da estação de comboio local de Umegaoka, onde estavam montadas várias mesas e postos de actividades para crianças, relativas à época. Foi alucinante a quantidade de crianças, acompanhas pelos pais, avós e restantes familiares, vestidos a rigor, a fazer fila para participarem em todas as actividades disponíveis. A actividade em que eu estive envolvida consistia em cada criança tirar um cartão com uma imagem (ex. Um rato, um dedo, miolos...), e depois procurar o objecto correspondente num caldeirão de bruxa cheio de uma pasta gelatinosa e esbranquiçada, perante a qual várias crianças começaram a chorar. Nunca tinha interagido tanto com crianças Japonesas, e a experiência foi fantástica, ainda que no final estivessemos mesmo muito cansados! A actividade seguinte foi ainda mais surpreendente: houve dois jogos de Bingo, para que a população ganhasse prémios, e em cima do palco quem melhor do que nós os três e dois outros senhores mascarados de vampiros para dar os prémios? Quem diria que eu viria para o Japão, e estaria em cima de um palco a tirar os números do Bingo? De loucos. A noite encerrou com chave de ouro com um jantar no melhor restaurante Japonês onde já comi por cá, um dedicado a Tenpura (que é uma derivação do termo ‘tempêro’ em português, mas que na realidade não se parece com nada que eu conheça na cozinha portuguesa!) e que nos deliciou a todos. Estou extremamente grata à MM, e à mãe dela que foi realmente uma senhora muito simpática e divertida.
Depois desta experiência, a segunda vivência que tive do Halloween foi um pouco mais constrangedora...Já há algum tempo que eu pensava experimentar Cosplay. Então, que melhor altura para o fazer que no Halloween? Decidi-me, e passei a tarde de ontem em Akihabara a procurar o fato de Cosplay que usaria. Depois de muito procurar encontrei: Haruhi Suzumiya! Achei o fato engraçado, e decidi-me. O pior foi depois de o vestir! Primeiro porque estava sozinha e depois porque vestida dessa forma, sendo estrangeira, a verdade é que os muitos olhares surpresos das pessoas à minha volta foram bastante intimidantes. Fiquei espantada. Depois de um sábado numa ‘pequena localidade’ em que todos estavam mascarados e festejar o Halloween uma semana antes, ontem quase não se via ninguém mascarado. Senti-me uma ave rara, e por isso mesmo, muito envergonhada. Depois de me juntar ao pessoal, mesmo tendo de aturar as suas muitas piadas a propósito da minha fatiota, comecei a sentir-me melhor. Fomos até Yoyogi, onde existe um parque onde estivemos a comer, beber e conversar até mais ou menos às onze. Depois demos a noite por encerrada, isto porque não queríamos perder o último comboio e porque chegar a casa ainda demorava mais uma hora!
Happy Halloween (ainda que um pouco atrasadito!)

domingo, 19 de outubro de 2008

Ikkagetsu!

[Um mês, ikkagetsu, um mês inteirinho já passou desde que aterrei em terras nipónicas, e apesar de algumas batalhas épicas, as coisas estão a compor-se. Um bocadinho de cada vez... Hoje foi um dia simpático e pacato, de ficar em casa e estudar e relaxar. As coisas vão ficando mais agradáveis à medida que o tempo passa, ainda que as saudades aumentem exponencialmente.]
Esta é a história de um dragão serpenteante chamado Saikyo. O Saikyo é um dragão prateado, daqueles compridos que se vêem nos filmes orientais, e nas festas do Ano Novo Chinês. Sabem quais são. Aqueles que parecem serpentes gigantes, com o corpo coberto de gigantes e duras escamas prateadas, e com uns bigodes ondulantes que vão ondulando ao lado do corpo enquanto o dragão voa veloz cortando os ares.
Pois é, o Saikyo é um dragão que vive num sítio algo controverso. Não que ele tenha qualquer coisa contra o sítio onde vive, na verdade parece-lhe um local interessante, de contrastes, em que modernidade e tradição se conjugam de forma realmente homogénea. Mas, há um grande problema na vida do Saikyo, um que faz com que a sua vida se torne mais dura do que o que ele alguma vez esperara.
Há muitos anos atrás, neste local onde o Saikyo habita, uma grande população de bolas que se movimentam sozinhas, e com vontade própria, estabeleceu o seu território, e durante muito tempo só essas bolas e alguns outros animais habitavam o sítio e viviam em harmonia com o meio em redor. Mas um dia, um aventureiro bola, partiu à descoberta de novos mundos, e nas suas viagens encontrou um lugar mágico no cume de uma grande montanha de onde saía muito fumo. O que o intrépido aventureiro encontrou foi um pequeno ovo dourado, lindo e brilhante, reluzindo à luz do sol da manhã. Ora, o aventureiro não pudera resistir a tamanho tesouro, pelo que o trazia consigo quando regressara ao seu território. O ovo demorou muito tempo a mostrar que criatura havia no seu interior, mas um dia chocou. E qual não foi o espanto das bolas quando viram na sua frente uma pequena serpente alada, a voar em redor das suas cabeças. De início todos achavam imensa piada ao pequeno animal alado que voava sem asas. Mas com o tempo, a pequena serpente transformou-se num gigantesco e majestoso dragão, e isso começou a perturbar as bolas, que temiam que o dragão as comesse e ficasse com todo o seu território. Não podia estar mais enganadas aquelas bolinhas tontas! O Dragão mostrava a todas as bolas um respeito inabalável, e tão prestável procurava ser que um dia ofereceu os seus serviços à comunidade das bolas. O serviço que o dragão começou a fazer, e aquele que o Saikyo faz também, foi o de transportar as bolas de um lado para o outro no seu território. Este transporte das bolas é exactamente o problema que preocupa o nosso protagonista, como já pude observar muitas vezes, e como me foi dito uma vez pelo próprio Saikyo, num momento em que nos encontravamos mais sós.
Todas as manhãs, o pobre Saikyo vem pelo caminho indicado pelas bolas, e quando chega a uma concentração de bolas, então ele pára e abre os seus grandes poros (sim, porque o Saikyo é gigante, e as bolas, ainda que muitas, são minúsculas comparativamente!), e deixa entrar as bolas que aí se encontram, transportando-as até um novo ponto de concentração, onde algumas saiem e outras entram. A viagem em si é bastante agradável, e a possibilidade de andar sempre de um lado para o outro foi algo que atraiu o Saikyo no início. O problema é, contou-me o simpático dragão, o falta de respeito das bolas na entrada e saída dos seus poros.
" - Eles não entendem como é doloroso para mim abrir os meus poros e deixá-los entrar. - começou ele - Pior, transportá-los a todos enquanto tento voar o mais depressa que posso não é nada fácil. Mas e eles têm algum respeito por mim?Não. Quando estou a fechar os meus poros (algo que é quase impossível de fazer porque todas as bolas querem ir ao mesmo tempo, e por isso apertam-se, espezinham-se, empurram-se...tudo para que possa caber ainda mais uma!), algumas bolas vêem que estou a fechar e lançam-se em voo contra as demais bolas, correndo o risco de ficarem trilhadas nos meus poros a fechar. E eu que tenho sempre medo de os aleijar... Depois, mais apertados que uma lata de sardinhas em conserva com o dobro da dose normal, na mesma embalagem, seguimos viagem, e o meu corpo já quase não consegue levantar tão bem como o faria com menos bolas. Quando chegamos à concentração seguinte é com um alívio enorme que abro os poros, e uma imensidão de bolas sai do meu corpo. Mas, novamente, não saiem calmamente. Não! Estas bolas estão sempre com imensa pressa, acotovelam-se, e se for preciso passam até por cima das outras só para poderem sair dos meus poros mais depressa. "
Sim, realmente Saikyo, consigo entender bem o teu grande problema. Há algum tempo que cheguei ao território das bolas, e aqui procuro ir vivendo e aprendendo mais sobre elas. Mas existem coisas que não dá para perceber. Tão íntegros e respeitadores por um lado, e tão pouco respeitadores do espaço individual de cada um nos dragões públicos. A verdade é que, tal como o Saikyo, também eu acho que as bolas têm atitudes que não considero as mais apropriadas. Mas, assim como o dragão prateado, lá continuo a minha batalha do dia a dia. Um poro de cada vez; uma concentração de cada vez...

domingo, 12 de outubro de 2008

Adaptação

A data aproxima-se. Em breve vou olhar para o calendário e ver que um mês já passou desde que cheguei ao Japão.
As aulas já começaram e mantêm-me bastante ocupada, ou não fossem as toneladas de trabalhos de casa, e os múltiplos testes de Japonês que se sucedem dia sim, dia não. As aulas de mestrado também não são propriamente pouco trabalhosas, antes pelo contrário, mas pelo menos nessas consigo ter a satisfação de participar activamente nelas, isto porque, primeiro são em Inglês, pelo que não tenho problemas em perceber, e segundo porque focam matérias e temas, que não só são extremamente aliciantes para mim, como também já estudei alguns deles, e agora limito-me a expandir e repensar o conhecimento que já possuía.
Para além das aulas, decidira já em Portugal, que enquanto aqui estivesse, iria procurar aprender uma arte marcial. A escolhida foi Shorinji Kempo. Shorinji Kempo é uma arte marcial de auto-defesa própria do Japão. Quase todos os membros, à excessão, primeiro de três, e agora de quatro forasteiros que decidiram começar a aprender, são Japoneses. Somos os quatro mosqueteiros! Facilmente reconhecíveis pelas nossas feições estranhas - olhos mais arredondados e de cores variadas, cabelos mais claros e mais volumosos - como pelas roupas que usamos e que, claro, não enquadram com os demais que usam o "dogi" tradicional desta arte. Mas, a partir da próxima semana só as feições nos distinguirão, porque devem chegar os nossos 'dogi' com o nosso nome escrito em Katakana. Mal posso esperar. Enfim, comecei há uma semana, fez ontem exactamente, e consigo ver melhorias na forma como me mexo e reajo a situações de simulação de combate. Estou extremamente entusiasmada, e quero melhorar tanto quanto possível. Na verdade, nós, os Quatro, estamos todos empenhados, e a entre-ajuda é uma boa forma de avançar.
Ultimamente tenho estudado bastantes assuntos diferentes, e tenho sentido que muito do que estudo me ajuda a compreender melhor onde me encontro, como vivo esta experiência, e sobretudo a interpretar e a direccionar aquilo que sinto.
Estou a viver um período ainda não perfeito. Estou numa espécie de limbo que dá pelo nome de Culture Stress. Quando se cai de paraquedas numa nova cultura, sente-se normalmente um choque, ou Culture Shock, caracterizado pela compreensão da diferença entre as culturas de origem e de chegada. Isso foi o que eu passei no primeiro dia aqui, e que foi uma coisa, não só muito nova para mim (uma vez que não me lembro de a ter sentido, pelo menos tão intensamente, em Inglaterra), como muito difícil de aceitar que estivesse a passar por ela. Eu, que já pesquisara tanto sobre o Japão, que sonho com este país há anos, que procuro aprender sempre mais e mais... Sim, mas saber algo e ser capaz de lidar com esse algo são duas coisas distintas. De alguma forma, esse choque foi "ultrapassado". A razão das minhas aspas é que, na verdade, ele foi meramente recalcado, e permanece activo de forma subtil, mas agora mais profunda e mais difícil de ultrapassar. Para além do Culture Shock, a diferença linguística pode ter consequências devastadoras nas tentativas de adaptação a uma nova cultura. Dia após dia, debato-me com a realidade de que existem muros gigantes em torno das minhas tentativas de comunicar em Japonês. De vez em quando lá retiro um outro tijolo, mas milhões de outros tijolos haverá ainda a retirar. Os meus progressos estão a ser lentos, mas espero que em breve consiga notar diferenças. Aliando todos estes factores, mais o inferno que é a circulação de pessoas nesta cidade (aos magotes em todos os lados; em autenticas lutas pela sobrevivência nos comboios de manhã, à tarde e à noite - em que respirar é uma tarefa hercúlia, e em que ter um cm cúbico de espaço é um oasis no meio do deserto), explica-se o limbo em que me encontro. Tenho reflectido muito sobre o que estou a passar, consigo plenamente avaliar esta situação, assim como os eventuais sentimentos de homesickness que vão ondulando no meu espírito, e para já não creio precisar de ajuda a sério. O simples facto de estar consciente desta realidade, e de saber o porquê dela existir, ajuda o meu cérebro a interpretá-la e fomentar soluções para a resolver. Apesar disso, é um processo que vai ter de se ir desenvolvendo.
Para já continuo a navegar por mares pejados de monstros marinhos gigantes e de criaturas míticas que ainda temo, mas que começam a encolher um pouquinho de cada vez. E qualquer dia, vou conseguir ultrapassar o meu próprio Adamastor...
"Mais ia por diante o monstro horrendo
Dizendo nossos fados, quando, alçado,
disse eu: - Que és tu? Que esse estupendo
Corpo certo me tem maravilhado!
Lusíadas, Canto V, estrofe 49.
“The tragedy of it is that nobody sees the look of desperation on my face. Thousands and thousands of us, and we're passing one another without a look of recognition.” - Henry Miller

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Verdes campos

Fiz uma pequena viagem de dois dias até Kanazawa, a terra da minha amiga Misato. Nesta viagem fui conhecer uma escola básica Japonesa na qual o pai dela dá aulas e é vice-presidente.
Partimos na segunda-feira, dia 29 de Setembro, no shinkansen (comboio rápido Japonês, também apelidado pelo povo Brasileiro de "trem bala"), pelas 15h, saindo da estação de Tóquio, a maior e principal estação da cidade, e onde nunca tinha estado até então (é realmente grande, e circular pelos labirínticos caminhos cheios de pequenas lojinhas de comidas e bebidas, apinhados de gente que anda e corre de encontro às linhas dos comboios e metros, é realmente algo que nos faz sentir pequenininhos, ou, pelo menos a mim faz!). A viagem de shinkansen tornou-se para mim mais do que uma simples viagem de comboio (se bem que, mesmo aquelas que faço em Portugal, se tornam especiais porque me deixo absorver pela paisagem e me enriqueço por poder contemplá-la). Mas esta viagem foi realmente surpreendente para mim.
Já há largos anos que sonho com o Japão, quem me conhece assim há tanto tempo sabe-o bem, mas, vir para Tóquio não era exactamente o que eu tinha em mente. Não me intrepretem mal, Tóquio é incrível, mas considero-me uma 'small town girl', e o meu sonho Japonês era um mais tradicional e natural, se é que me faço entender. O que eu amo acima de tudo no Japão é a parte tradicional das pequenas aldeias em pleno contacto com a natureza; as grandes montanhas cobertas de florestas densas, e em que se escondem mosteiros recônditos; enfim, um Japão mais natural. Foi para este Japão, o do meu sonho nipónico, que este comboio bala me transportou. Mesmo a morrer de cansaço, e a debater-me com alguma sonolência, resisti adormecer até o sol se pôr no horizonte. Fui transportada para um mundo mágico de magníficas planícies de campos cultivados, com arrozais a perder de vista, rodeadas de montanhas imponentes e verdejantes; as colinas cheias de árvores frondosas e de florestas de bambus, onde se poderiam imaginar combates épicos de samurais a lutar pelos seus daimyos (os senhores feudais que os empregavam, e que foram importantes figuras no contexto político Japonês entre os séc.s X e XIX). Olhando a paisagem, admirando cada pormenor de verde e luz nos seus imensos matizes, mudando ainda que muito rapidamente, dada a grande velocidade da viagem, foi como ser transportada para um sonho de natureza rural, que me pareceu um oxímoro poder existir em simultâneo com a loucura industrial-tecnológica de Tóquio. Vislumbrei o meu sonho escassamente nesta viagem de Shinkansen, mal eu sabia que algo maior me aguardava.
Chegadas a Kanazawa, que infelizmente não pude conhecer muito, e depois de um noite de descanso merecido, a Misato e eu acordámos às 5.30h, isto porque a viagem até à escola demoraria mais de uma hora de carro. Seguimos com o pai dela, pelas ruas de Kanazawa, e depois fomos apanhar as estradas principais para fora da cidade. Depois de algum tempo a circular entre cidades que se foram tornando progressivamente mais pequenas, com menos prédios, e mais moradias, algumas já bem tradicionais, começámos a chegar à parte da viagem que me arrebataria completamente. As montanhas aproximaram-se rapidamente e, de repente, um longo túnel através da montanha foi como uma porta mágica. Abriu-se um céu azul e luminoso de sol nascente, que deu a conhecer as gigantescas montanhas cobertas de verdes magotes de árvores, de vários feitios e tamanhos, com todos os tons de verde imagináveis. De quando em quando rompendo a verdura, lá se podia perceber uma qualquer construção típica, um pequeno templo, um cemitério, quem sabe se a casa de algum senhor antigo. Apareceram também planícies cobertas de culturas agrícolas e de flores, com os carreirinhos bem alinhados, por onde os pés conhecedores de agricultores circulam, trabalhando a terra pelo seu sustento. Caminhos de montanha por onde meninas tradicionais, de quimonos pintados anseiam passear para admirar as flores e as mudanças outonais das árvores - um autêntico quadro de Kawabata (nobel Japonês de Literatura) pintou-se diante dos meus olhos, e não tenho palavras para dizer o quanto isso me marcou. Algumas vezes, a estrada circulava junto de grandes falésias, na encosta da montanha, e em baixo podiam ver-se riachos cravados de pedras, caindo depois em cascatas pelas encostas abaixo. Um universo de paisagens provenientes do cinema, da literatura e também do anime desenharam-se naturalmente na minha frente, e sendo verdade que uma imagem vale mais que mil palavras, a verdade é que não consigo imaginar que mil palavras usar para descrever aquilo que vi, senti, pensei, exprimi. Tanta coisa é assim, este blogue é nada mais do que uma tentiva frustrada desde o início de tentar combater essa inevitabilidade. Nunca poderei exprimir tudo aquilo que vivo aqui, mas espero poder exprimir algo que possa ter algum significado para alguém para além de mim.
"Verdes são os campos,
De cor do limão,
Assim são os olhos
do meu coração."
Camões

sábado, 27 de setembro de 2008

A língua: porta e barreira...

Pois é, Japão, aquele país do outro lado do mundo, com uma língua substancialmente diferente daquela que temos em Portugal. Para mim o Japonês sempre exerceu um fascínio enorme; isto porque apesar das muitas diferenças, a nível fonético torna-se algo semelhante. E com a língua, vem a cultura, e a arte, e as tradições. Enfim, uma língua é uma porta para abrir novos mundos ao nosso pequeno e isolado mundo. Foi talvez por ver as Línguas desta forma que sempre as quis estudar, e que me tornei professora de Línguas - no meu íntimo espero poder transmitir aos meus alunos esta concepção de língua, para que também eles se entusiasmem. Eu tento, se resulta ou não, eles o saberão!
Por estes lados, a Língua tem andado simultaneamente a meu lado, e contra mim. Na verdade devo dizer, as Línguas. Mas não é só o Japonês? Não, são muitas mais. Estou numa residência de estudantes, DK House Warabi, onde moram algumas dezenas de estudantes e mais algum pessoal a passar férias, e a maior parte são tudo estrangeiros. Normalmente, e enquanto não definimos uma língua de comunicação, olhamos uns para os outros, procuramos analisar de que país a pessoa poderá ser proveniente, hesitamos um pouco, e quase inevitavelmente, em vez de "Hajimemashite, Vera Desu, Yoroshiku onegai shimasu" , sai: Hi, I'm Vera. O Inglês é aquela base que nos une a todos, mas outras línguas vão-se misturando, até o Português. Estar na sala comum é uma experiência fantástica deste ponto de vista. O Inglês marca presença com quase todos, especialmente dada a presença significativa de Americanos e também de Ingleses aqui. Mas de repente, e da forma mais natural do mundo, o Inglês encontra-se par a par com o Francês, o Espanhol - e a par com este eu vou metendo um pouco o Português! Isto é óptimo para treinar línguas - não imaginam o quanto o meu francês tem progredido só em pequenas conversas com o Phillipe, que está cá de férias - mas a verdade é que toda esta variedade linguística tem também um resultado mais desagradável: as outras línguas agem como uma barreira ao Japonês.
Podendo escolher, o ser humano escolhe sempre o caminho mais fácil. Isto é verdade nas línguas, e é mesmo um princípio segundo o qual elas evoluem. O caminho mais fácil neste caso, é usar uma língua que todos conheçam. Fazer o esforço de saltar a barreira que o Japonês ainda constitui para a maioria de nós é um esforço quase olímpico. Conseguem mesmo imaginar, é como um atleta de salto em altura, a tentar alcançar um novo record do mundo! E por isso, pensamos duas vezes e vamos com a lei do menor esforço. Sei que parece um pouco estranho, mas vivendo a experiência, percebemos por que assim é. Imaginem que cada vez que precisam de comunicar se vêem envoltos num mar desconhecido de sons e palavras novas, e isto se for só no falar. Apanhar o comboio, ir ao supermercado, ler as legendas na tv, as coisas mais banais do dia-a-dia, tornam-se aventuras épicas, com reviravoltas inesperadas, e em que cada nova palavra ou caracter que entendemos é uma vitória sobre um monstro gigantesco que ameaçava ser um entrave à passagem das nossas "caravelas" comunicativas. E por esta viagem alucinante eu continuo a seguir rumo ao oriente, à Língua Japonesa. Mas, sem medo. Para já os mares podem estar lotados de criaturas míticas e assustadoras, mas em breve eu vou conseguir ver que são simplesmente rochas gigantes e correntes marinhas adversas!

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Light and Darkness

Dia 18 de Setembro, 6.20 da manhã em Portugal, na cidade do Porto, no aeroporto Francisco Sá Carneiro. A minha aventura começou aqui. Neste exacto momento, em que todo o céu era um imenso mar de negro que lentamente se alojou no meu coração, que foi ficando cada vez mais pesado à medida que o avião ganhava velocidade para descolar, começou a minha viagem. Muito cansada física e emocionalmente, acabei por adormecer e a viagem até Frankfurt, onde fiz escala, foi-se desenrolando sucessivamente entre acordar e adormecer, sempre em sobressalto, e sempre com um aperto grande na garganta.
Estava a rumar de encontro ao meu sonho de há algum tempo, então, porque é que havia isto de custar tanto assim? Na verdade não consigo compreender toda esta emotividade. Quando parti rumo a Inglaterra fui tão descontraída que até me surpreendi. Mas Inglaterra é a um passinho de Portugal, e cinco meses não são um ano. O meu espírito não conseguiu encontrar a paz durante a viagem.
Em Frankfurt as coisas melhoraram um pouco. Comecei a consciencializar-me de que estava só, e que agora uma nova etapa me esperava. Durante as horas que passei no aeroporto senti o meu mundo pequenininho face àquela língua que não percebia minimanente. Nunca tive um grande interesse pela Língua Alemã, mas senti-me limitada dentro do meu mundo em que esta língua é imperceptível, e isso foi algo que me desagradou.
Novamente o embarque, desta vez para rumar ao outro lado do Mundo, literalmente. Mais ou menos 10 horas de viagem dentro de um avião para lá chegar. Nunca imaginara o quão exaustiva uma viagem assim seria. Na verdade tive alguma sorte. Perto de mim, e mais tarde ao meu lado (porque troquei de lugar com outra pessoa) sentou-se um rapaz da Suíça, o Matias. O Matias vive há três anos em Tóquio porque está cá a tirar o doutoramento em Design. Acabámos por começar a falar, porque partilhávamos o mesmo espaço livre para pôr as revistas, e assim acabou por ser uma viagem mais fácil porque viemos na conversa durante uma grande parte dela. É interessante como uma viagem assim pode levar-nos a travar amizades com pessoas com quem, provavelmente, nunca nos cruzaríamos. À escuridão da noite que atravessámos durante a maior parte da viagem sobrepôs-se a luz, e foi lá bem alto, acima das nuvens que eu, e o Matias que entrentanto acordara, vimos um nascer do sol que me vai ficar gravado na memória, para sempre. Conversar com o Matias foi sobretudo interessante por toda a informação que ele me pôde dar sobre Tóquio e o que significa viver nesta cidade, que só tem mais habitantes do que Portugal inteiro! Ele ajudou-me no aeroporto e por isso tenho imenso por que lhe estar grata.
Fiquei no aeroporto cerca de 30 minutos até chegar uma coordenadora de Sophia, e depois chegar também a Hitomi, a minha guia até à residência. Com a Hitomi apanhei o primeiro comboio em Tóquio, desde Narita até uma das estações do centro. À medida que o comboio avançava, voltava aquele aperto estranho, e eu senti-me a encolher progressivamente até ficar um ponto minúsculo na enorme cidade de Tóquio. Tudo isto só foi piorando até chegar à residência. O caminho até Saitama é muito longo. Mudámos três vezes de comboio, e o mar de pessoas (e não era nada como em hora de ponta!) era assustador. O facto de não conseguir reconhecer palavra ou caracter não ajudou a que me sentisse melhor, como é previsível.
Este primeiro dia foi mesmo um dia muito difícil e de emoções à flor da pele.
A Luz e a Escuridão abundaram ambas na minha viagem rumo ao sol nascente, mas as coisas vão lentamente encaminhando-se.
Já passou exactamente uma semana desde que aqui cheguei. O meu espírito está mais leve, as coisas estão a ficar mais fáceis, até porque estou rodeada de pessoas fantásticas com quem tenho travado amizade, e que ajudam a tornar mais curta a distância, e sobretudo mais leves as saudades de todos que deixei em Portugal.
As aulas começarão em breve, e todas as coisas a tratar têm sido uma escapatória aos pensamentos de tristeza ou de saudade que poderiam abundar por estes lados. Os reencontros com todas as minhas melhores amigas Japonesas que estudaram em Portugal têm sido fantásticos, e são como lufadas de ar fresco neste clima húmido e abafado. A Mari, a Jun, a Maiko, e também a Misato foram fantásticas comigo, e eu não consigo exprimir as saudades que tinha de estar com elas, sobretudo com as três primeiras que já não via há três anos. Também já tive oportunidade de reencontrar o Professor Mauro Neves, que será o meu orientador, e de conhecer o Professor Ono, de quem tanto apoio recebi, e de quem tanto já tinha ouvido falar.
A vida é estranha por vezes. Ficamos quando só gostaríamos de partir. Partimos quando gostaríamos de ficar. Enfim, as voltas que se dão nas nossas mentes nem sempre são fáceis de compreender, mas o tempo torna tudo mais fácil, ou pelo menos mais aceitável. Aqui começa a minha aventura oriental, e espero que este seja o caminho. Byatt escreveu sobre a necessidade que todos temos de ter um caminho nosso. O destino não é importante, mas a viagem que fazemos para o alcançar. Quero percorrer o meu e descobrir até onde me irá levar.

“You can only come to the morning through the shadows.” - J.R.R.Tolkien