sábado, 31 de janeiro de 2009

A minha vida em Tóquio

Olá, de novo de regresso para dar conta de algumas das coisas com que contacto diariamente aqui, deste lado do mundo.
Peço imediatamente desculpas pela falta de assiduidade nas actualizações, mas este mês foi tudo menos fácil.

Como havia explicado já, encontrava-me em processo de mudança de casa. Deixei a residência onde me encontrava, e mudei-me para um apartamento em Setagaya, onde agora vivo, sozinha. Mas esta mudança não tem sido fácil por uma série de motivos que apresentarei de seguida, mas sobretudo porque coincidiu também com o último mês de aulas do ano escolar daqui, antecedendo os exames e trabalhos finais.

A 23 de Dezembro a Universidade encerrou para férias de Ano Novo (sim, porque o Natal por estes lados não é uma data muito celebrada, e é mais visto como um Dia de São Valentim - mas disso falarei noutra entrada, em que me explicarei melhor), e recomeçou no dia 5 de Janeiro. Tendo ido passar o Ano Novo com a família de uma amiga a Kanazawa (cerca de 4 horas de shinkansen - comboio rápido - ou 8 horas de autocarro), quando regressei não vinha propriamente descansada. E para mais, a minha cabeça já se concentrava na mudança, que aconteceu no dia 10 de Janeiro - dia em que entreguei a chave da residência, e passei a residir na minha nova morada. Essa primeira semana de aulas foi marcada pelo regresso aos estudos, ao meu part-time, e por muitas viagens de malas feitas entre a residência e o apartamento. Foi um processo moroso, e andar com malas carregadas pelos comboios de Tóquio, de vez em quando em horas de ponta, é quase uma aventura hercúlia, mas tudo se faz! Foi uma correria louca, mas no dia 10 estava tudo no apartamento (ainda que não no sítio!).

Depois de começar a viver em Setagaya, que fica a 15 minutos de Shinjuku, de comboio, eu pensei que a minha vida ia tornar-se muito mais fácil, isto porque de Shinjuku à Universidade Sophia são só cerca de 5 minutos por um comboio rápido em direcção à estação de Tóquio. Assim, em teoria, as minhas viagens de e para a escola demorariam cerca de 20 minutos, mais o tempo das ligações. Pois, esqueci-me foi de contabilizar o tempo que levaria da estação, Umegaoka, até ao meu apartamento mesmo (que fica na 'cidade' ao lado, Wakabayashi). Na verdade ainda demoro 15 minutos a pé da estação a casa, e isso faz com que as minhas viagens diárias ainda demorem cerca de 40 minutos (o que sempre são menos 20 minutos do que quando vivia em Saitama, contudo é deprimente pensar que Saitama é tão afastado de Yotsuya como o Porto é de Aveiro, enquanto que Wakabayashi seria como ir até Cacia, mas que na verdade demora-se imenso tempo na mesma). A agravar a isto, o comboio que uso agora continua a estar tão apinhado de manhã como os demais que usava quando vivia em Saitama, coisa que eu não pensava ser possível. Assim, continuo a ter de lutar pela sobrevivência nos transportes todas as manhãs, e de vez em quando no regresso a casa também.

Com a mudança vieram também algumas deslocações necessárias aos serviços. Nomeadamente: o primeiro passo foi ir à City Hall, uma espécie de Câmara Municipal, para informar as autoridades de que havia mudado de residência, e para mudar o meu Alien Registration Card (que é o meu cartão de identificação enquanto estrangeira residente no Japão - obrigatório para todos os estrangeiros que residam cá mais de três meses). Depois tive ainda de proceder às alterações de endereço nos serviços, como o Banco e a companhia de Telemóvel. Ou seja, mudanças exigem muitas deslocações, são processos morosos e que levam algum tempo até ficarem finalizados.

Agora que já vivo na minha nova casa há quase um mês já me começo a habituar à área, e à minha nova rotina. Vivo numa zona residêncial, e uma em que as pessoas devem ter bastante dinheiro (dado todos os BMW e Porches por que passo diariamente a caminho da estação!). Na minha área existem alguns Templos e Parques, pelo que é uma zona agradável para passear num dia de bom tempo (coisa que ultimamente não tem sido constante por aqui). Já encontrei as novas lojas onde fazer as minhas compras habituais, e fiquei particularmente contente por encontrar uma lojita bem pequena e antiga, mas onde encontro a fruta mais barata que alguma vez vi aqui em Tóquio - o preço de viver em Tóquio é exorbitante, mas o da comida, e em particular o da fruta, é de fazer chorar; cada vez que penso que UMA simples maçã num supermercado chega a custar entre 1 ou 2 euros, só me apetece voltar para Portugal - mas nesta lojinha, bem velhota, e em que é melhor a ASAE nunca entrar, a fruta pode não ser tão vistosa como as dos supermercados, mas é decente e os preços são bastante mais agradáveis à carteira. Tenho também uma loja com imensos produtos importados, perto da estação, e lá posso encontrar artigos raros por estes lados como: côco ralado, ou mesmo Ferrero Rocher e Bacci. Ainda só lá fui uma vez, e como todas as lojas em Tóquio é complicado movimentar-nos no meio dos corredores hiper-estreitos e atulhados até dizer chega, mas a lojinha é engraçada, os preços nem são assim tão caros como isso, para produtos importados, e para os amantes de café (que não é o meu caso) podem encontrar lá café em grão de todas as partes do mundo - Kaldi Coffee Shop é o nome desta loja!.

Viver sozinha também me trouxe algumas responsabilidades adicionais. Pagar as contas!!! Na residência, contas como água, luz ou internet estavam incluídas no pagamento mensal (ou semestral), por isso não tinha com que me preocupar. A conta do telemóvel é feita por transferência bancária, e por isso nunca tive de lidar com pagamentos de contas. Agora as coisas são diferentes. Recebo cartas das companhias de gás, electricidade e água, com os recibos para proceder ao pagamento. Mas, na verdade, não é assim tão difícil pagar as contas, basta ir a uma qualquer loja de conveniência (ou konbini), como a 7Eleven (Seven Eleven, abertas todos os dias, como na América), ou a AM/PM, ou Family Mart (enfim, há uma em cada esquina quase) e pagar, eles carimbam e está feito. O mais difícil é perceber: está tudo em Japonês!!! O que para mim é um grande problema. Normalmente tenho de recorrer à minha amiga MM, e à sua mãe, que é minha guardiã no apartamento e todos os assuntos relacionados. Enfim, viver sozinha está a ser uma aventura nova, mas que está a agradar).
O meu maior problema neste momento! A instalação da Internet. Digam o que disserem, net no Japão é um assunto complicado. Sim, têm serviços muito melhores que em Portugal, aqui o state of the art já não é a Broadband que todas as companhias publicitam, mas as ligações de fibra-óptica. Tal como em Portugal a maioria dos serviços oferece packs com telefone e televisão. Depois de comparar serviços na Internet, decidi-me por uma empresa que apresentava as melhores condições com um preço razoável, e contactei-os através do serviço de apoio a clientes em Inglês. Dei início ao processo no início de Janeiro, mas ainda estou à espera da ligação. Sim, porque mesmo só querendo Internet toda a gente tem de ter uma linha telefónica com a NTT, a empresa de telecomunicações mais importante daqui, uma espécie de EDP. Eles têm que vir e fazer essa ligação primeiro para depois a Internet poder ser ligada, e aparentemente os senhores devem estar muito ocupados, porque eu continuo à espera.
Agora já cheguei ao fim das minhas aulas e exames, e depois de mais um trabalho final vou estar oficialmente de férias. Férias essas que vão ser passadas a trabalhar no duro no meu part-time, a dar aulas de Inglês. Vou aproveitar este período a ganhar algum dinheiro, pelo que estou animada com essa perspectiva. Em Março vou ter uma semana completamente de férias, uma semana em que vou com o clube de Shorinji Kenpo para uma ilha no Sul do Japão para uma semana de treino. Claro que entre as sessões de treinos de certo não faltarão oportunidades para passear e conhecer o local, e também socializar com os colegas e treinar o meu Japonês.
Para já as coisas vão andando assim, e por isso as actualizações vão começar a ser mais frequentes. Assim, até breve.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Sankagetsu (3 meses)

Feliz Ano Novo


Sankagetsu, e muitos mais dias, uma vez que esta entrada devia ter sido publicada a 19 de Dezembro... Antes de mais, devo desculpar-me pela minha pouca assiduidade no mês passado. Um mês que foi uma autêntica montanha-russa de trabalho, celebrações, e sentimentos contraditórios.

As minhas conversas com o Saikyo têm continuado na sua forma habitual. Ele tem-me possibilitado entrar em mundos fantásticos através dos poderes mágicos inerentes aos dragões como ele. Mas ultimamente, o Saikyo mostrou-me algo que eu pensei não ser possível. Aparentemente os dragões têm capacidades extraordinárias, e não é só ao nível físico. Claro que são gigantescos, e que as suas escamas prateadas são mais duras que titânio, mas eles são capazes de feitos extraordinários, como o de conceder entrada em mundos paralelos àquele em que vivemos, ou mesmo levar-nos até ao mundo fantástico feito dos nossos próprios sonhos.
Recentemente tenho deixado o Saikyo preocupado. A minha saúde tem vindo a piorar desde há algum tempo, e a minha fragilidade física tem começado a notar-se. Depois de várias observações, o Saikyo, com os seus poderes de dragão, perguntou se podia entrar nos meus sonhos e ver se a causa da minha condição podia estar neles.
- Nos meus sonhos? Que queres dizer com isso? Se não me encontro bem deveria ir ao hospital ou algo assim.
- Enganas-te – disse-me o Saikyo – a tua condição não se parece com as que vejo nas bolas quando elas precisam de ir consultar aquelas pessoas a quem chamam médicos, e que são como os tratadores que nos tratam quando nós, dragões, temos algum problema. A perda de cor e de energia vital que tenho vindo a perceber em ti, faz-me pensar que uma razão mais profunda pode estar na sua origem.
Depois de mais alguns argumentos, aceitei deixar o Saikyo entrar nos meus sonhos, para descobrir o que de errado poderia estar por lá.
- Os sonhos revelam muito sobre a nossa vida interior, e os nossos receios, as nossas ambições, e mesmo as nossas capacidades. O que eu vou fazer é simples: vou abrir os meus poros, junto dos meus olhos, e tu vais entrar num deles. Lá dentro vai sentar-te perto da iris dos meus olhos e vais fechar os teus. Quando o fizeres, vais entrar num sono que eu vou induzir através de vapores especiais que trouxe do meu país da última vez que o visitei.
- Saikyo, esses vapores...
- Não te preocupes, são perfeitamente seguros, até para alguém como tu, tão diferente de mim, e tão diferente das bolas também. Continuando com o processo. Quando adormeceres, eu vou ligar-nos espiritualmente. Vou fazer isso ao estender uma das minhas células, que se vai ligar aos teus olhos, mais uma vez, não tens nada com que te preocupar, vai ser como usar óculos, mas isso vai permitir-me ver tudo o que vires nos teus sonhos, e assim descobrir a causa do teu mal estar.
E assim começámos com este procedimento. O Saikyo abriu os poros junto dos olhos e eu entrei. Nunca lá tinha estado antes, mas parecia-me igual aos demais poros em que já tinha entrado, por isso avancei sem hesitação, e fui sentar-me na espécie de sofá que se formava através dos seus músculos e ossos. O ar começou a ficar pesado, e uns vapores começaram a elevar-se. O cheiro era doce, e suave, e sem dar por isso caí num sono profundo. E isto foi o que sonhei, segundo o Saikyo me contou depois...
“Estava no meio de um campo deserto. A toda a volta estavam flores por desabrochar, e árvores ainda completamente despidas. Apesar de rara, a neve cobria tudo, com pequenas manchas brancas, tal como os enfeites que usava no cabelo quando era pequena. No centro desta paisagem nua, eu encontrava-me no meio de um lago, onde havia uma única pedra que se elevava no seu centro. Eu estava lá, em pé mas adormecida, numa espécie de sonambulismo, e lágrimas corriam pelo meu rosto, mas não demonstrava nenhuma emoção. Era como se chorasse sem sentir absolutamente nada. Os meus olhos abertos não viam nada e miravam o vazio de um céu cinzento mas sem qualquer nuvem. De repente, como se uma mão invisível me trespassasse, o meu coração, ainda a bater foi saindo do meu peito. Não havia qualquer mancha de sangue, e não parecia ter afectado o meu estado minimamente. Simplesmente agora, o meu coração batia fora do meu corpo. O seu vermelho escureceu, e depois como um pedacinho de gelo em que se deita água, rachou-se, e uma pequena parte soltou-se do resto. Essa pequena parte escureceu até ficar preta, como o carvão, e depois de cair na pedra onde me encontrava, estilhaçou-se em mil pedaçoes que se misturaram com os minerais da pedra e desapareceram. As lágrimas caiam agora com maior intensidade, mas eu continuava impassível e a vislumbrar o vazio. Os meus olhos estavam baços e não viam nada, era como se estivesse simplesmente a olha para o meu interior. Mas, de repente, apareceu uma pequena luz muito azul no céu. Uma luz de um azul turquesa bem forte. Tão forte que acordou os meus olhos baços, e por um momento pareceu que eu respirava um fôlego há muito perdido. Respirei fundo, e olhei atentamente para essa luz, que lentamente começava a descer e a tomar forma. Quando se encontrava perto do meu rosto, olhei-a de frente, e compreendi que parecia uma pequena gota de água, tão azul, e tão límpida como nunca tinha visto. Levantei a minha mão, para a tentar agarrar, mas qual gota de água, a pequena luz escorreu pelos meus dedos e caiu no chão, onde anteriormente se haviam dissolvido os muitos fragmentos do pedaço do meu coração, que continuava, não obstante, a bater como anteriormente, apesar do pedaço em falta. Ao tocar o chão de pedra fria, a luz brilhou mais intensamente e no seu lugar desabrochou uma pequena flor. Primeiro o caule, depois pequenas folhinhas verdes que dele nasciam, e por fim, apareceu o botão que revelaria a flor que nasceria daquela luz brilhante e azul. Olhei atentamente para baixo, e percebi, uma pequena papoula, pequena e humilde, mas forte e vigorosa, feita de um azul turquesa como nunca antes havia visto. “
Ainda que não tenha sido muito difícil perceber que o meu coração sentia a perda de algo importante, o Saikyo explicou-me que se queria resolver o meu mal estar interior, e recuperar o pedaço que havia perdido do meu coração devia embarcar numa viagem até uma terra distante, em busca da papoula azul que eu havia visto nascer da luz brilhante que caíra na pedra.
- Mas Saikyo, não existem papoulas azuis. – disse eu hesitante.
- Não existem, hem? A quantos mundos já te levei desde que aqui chegaste? Quantas vezes já viste, experimentaste, descobriste coisas que sempre te pareceram impossíveis à luz do que vias no teu pequeno pedacinho de mundo?
Era bem verdade, e eu sabia-o perfeitamente. Os mundos a que havia sido transportada...Não, mesmo este país das bolas, em que encontrei os dragões magestosos dos quais o Saikyo faz parte, tudo isto já devia ser suficiente para me provar que há mais coisas nesta e noutras realidades do que sonha a minha vã filosofia, para usar a forma shakespeariana. Restava-me portanto aceitar, e ouvir o que o Saikyo me aconselharia a fazer.
Então, um dia, a ver um sol brilhante que nascia no horizonte, partimos bem cedo, à aventura, para procurar a minha papoula azul.