sábado, 27 de setembro de 2008

A língua: porta e barreira...

Pois é, Japão, aquele país do outro lado do mundo, com uma língua substancialmente diferente daquela que temos em Portugal. Para mim o Japonês sempre exerceu um fascínio enorme; isto porque apesar das muitas diferenças, a nível fonético torna-se algo semelhante. E com a língua, vem a cultura, e a arte, e as tradições. Enfim, uma língua é uma porta para abrir novos mundos ao nosso pequeno e isolado mundo. Foi talvez por ver as Línguas desta forma que sempre as quis estudar, e que me tornei professora de Línguas - no meu íntimo espero poder transmitir aos meus alunos esta concepção de língua, para que também eles se entusiasmem. Eu tento, se resulta ou não, eles o saberão!
Por estes lados, a Língua tem andado simultaneamente a meu lado, e contra mim. Na verdade devo dizer, as Línguas. Mas não é só o Japonês? Não, são muitas mais. Estou numa residência de estudantes, DK House Warabi, onde moram algumas dezenas de estudantes e mais algum pessoal a passar férias, e a maior parte são tudo estrangeiros. Normalmente, e enquanto não definimos uma língua de comunicação, olhamos uns para os outros, procuramos analisar de que país a pessoa poderá ser proveniente, hesitamos um pouco, e quase inevitavelmente, em vez de "Hajimemashite, Vera Desu, Yoroshiku onegai shimasu" , sai: Hi, I'm Vera. O Inglês é aquela base que nos une a todos, mas outras línguas vão-se misturando, até o Português. Estar na sala comum é uma experiência fantástica deste ponto de vista. O Inglês marca presença com quase todos, especialmente dada a presença significativa de Americanos e também de Ingleses aqui. Mas de repente, e da forma mais natural do mundo, o Inglês encontra-se par a par com o Francês, o Espanhol - e a par com este eu vou metendo um pouco o Português! Isto é óptimo para treinar línguas - não imaginam o quanto o meu francês tem progredido só em pequenas conversas com o Phillipe, que está cá de férias - mas a verdade é que toda esta variedade linguística tem também um resultado mais desagradável: as outras línguas agem como uma barreira ao Japonês.
Podendo escolher, o ser humano escolhe sempre o caminho mais fácil. Isto é verdade nas línguas, e é mesmo um princípio segundo o qual elas evoluem. O caminho mais fácil neste caso, é usar uma língua que todos conheçam. Fazer o esforço de saltar a barreira que o Japonês ainda constitui para a maioria de nós é um esforço quase olímpico. Conseguem mesmo imaginar, é como um atleta de salto em altura, a tentar alcançar um novo record do mundo! E por isso, pensamos duas vezes e vamos com a lei do menor esforço. Sei que parece um pouco estranho, mas vivendo a experiência, percebemos por que assim é. Imaginem que cada vez que precisam de comunicar se vêem envoltos num mar desconhecido de sons e palavras novas, e isto se for só no falar. Apanhar o comboio, ir ao supermercado, ler as legendas na tv, as coisas mais banais do dia-a-dia, tornam-se aventuras épicas, com reviravoltas inesperadas, e em que cada nova palavra ou caracter que entendemos é uma vitória sobre um monstro gigantesco que ameaçava ser um entrave à passagem das nossas "caravelas" comunicativas. E por esta viagem alucinante eu continuo a seguir rumo ao oriente, à Língua Japonesa. Mas, sem medo. Para já os mares podem estar lotados de criaturas míticas e assustadoras, mas em breve eu vou conseguir ver que são simplesmente rochas gigantes e correntes marinhas adversas!

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Light and Darkness

Dia 18 de Setembro, 6.20 da manhã em Portugal, na cidade do Porto, no aeroporto Francisco Sá Carneiro. A minha aventura começou aqui. Neste exacto momento, em que todo o céu era um imenso mar de negro que lentamente se alojou no meu coração, que foi ficando cada vez mais pesado à medida que o avião ganhava velocidade para descolar, começou a minha viagem. Muito cansada física e emocionalmente, acabei por adormecer e a viagem até Frankfurt, onde fiz escala, foi-se desenrolando sucessivamente entre acordar e adormecer, sempre em sobressalto, e sempre com um aperto grande na garganta.
Estava a rumar de encontro ao meu sonho de há algum tempo, então, porque é que havia isto de custar tanto assim? Na verdade não consigo compreender toda esta emotividade. Quando parti rumo a Inglaterra fui tão descontraída que até me surpreendi. Mas Inglaterra é a um passinho de Portugal, e cinco meses não são um ano. O meu espírito não conseguiu encontrar a paz durante a viagem.
Em Frankfurt as coisas melhoraram um pouco. Comecei a consciencializar-me de que estava só, e que agora uma nova etapa me esperava. Durante as horas que passei no aeroporto senti o meu mundo pequenininho face àquela língua que não percebia minimanente. Nunca tive um grande interesse pela Língua Alemã, mas senti-me limitada dentro do meu mundo em que esta língua é imperceptível, e isso foi algo que me desagradou.
Novamente o embarque, desta vez para rumar ao outro lado do Mundo, literalmente. Mais ou menos 10 horas de viagem dentro de um avião para lá chegar. Nunca imaginara o quão exaustiva uma viagem assim seria. Na verdade tive alguma sorte. Perto de mim, e mais tarde ao meu lado (porque troquei de lugar com outra pessoa) sentou-se um rapaz da Suíça, o Matias. O Matias vive há três anos em Tóquio porque está cá a tirar o doutoramento em Design. Acabámos por começar a falar, porque partilhávamos o mesmo espaço livre para pôr as revistas, e assim acabou por ser uma viagem mais fácil porque viemos na conversa durante uma grande parte dela. É interessante como uma viagem assim pode levar-nos a travar amizades com pessoas com quem, provavelmente, nunca nos cruzaríamos. À escuridão da noite que atravessámos durante a maior parte da viagem sobrepôs-se a luz, e foi lá bem alto, acima das nuvens que eu, e o Matias que entrentanto acordara, vimos um nascer do sol que me vai ficar gravado na memória, para sempre. Conversar com o Matias foi sobretudo interessante por toda a informação que ele me pôde dar sobre Tóquio e o que significa viver nesta cidade, que só tem mais habitantes do que Portugal inteiro! Ele ajudou-me no aeroporto e por isso tenho imenso por que lhe estar grata.
Fiquei no aeroporto cerca de 30 minutos até chegar uma coordenadora de Sophia, e depois chegar também a Hitomi, a minha guia até à residência. Com a Hitomi apanhei o primeiro comboio em Tóquio, desde Narita até uma das estações do centro. À medida que o comboio avançava, voltava aquele aperto estranho, e eu senti-me a encolher progressivamente até ficar um ponto minúsculo na enorme cidade de Tóquio. Tudo isto só foi piorando até chegar à residência. O caminho até Saitama é muito longo. Mudámos três vezes de comboio, e o mar de pessoas (e não era nada como em hora de ponta!) era assustador. O facto de não conseguir reconhecer palavra ou caracter não ajudou a que me sentisse melhor, como é previsível.
Este primeiro dia foi mesmo um dia muito difícil e de emoções à flor da pele.
A Luz e a Escuridão abundaram ambas na minha viagem rumo ao sol nascente, mas as coisas vão lentamente encaminhando-se.
Já passou exactamente uma semana desde que aqui cheguei. O meu espírito está mais leve, as coisas estão a ficar mais fáceis, até porque estou rodeada de pessoas fantásticas com quem tenho travado amizade, e que ajudam a tornar mais curta a distância, e sobretudo mais leves as saudades de todos que deixei em Portugal.
As aulas começarão em breve, e todas as coisas a tratar têm sido uma escapatória aos pensamentos de tristeza ou de saudade que poderiam abundar por estes lados. Os reencontros com todas as minhas melhores amigas Japonesas que estudaram em Portugal têm sido fantásticos, e são como lufadas de ar fresco neste clima húmido e abafado. A Mari, a Jun, a Maiko, e também a Misato foram fantásticas comigo, e eu não consigo exprimir as saudades que tinha de estar com elas, sobretudo com as três primeiras que já não via há três anos. Também já tive oportunidade de reencontrar o Professor Mauro Neves, que será o meu orientador, e de conhecer o Professor Ono, de quem tanto apoio recebi, e de quem tanto já tinha ouvido falar.
A vida é estranha por vezes. Ficamos quando só gostaríamos de partir. Partimos quando gostaríamos de ficar. Enfim, as voltas que se dão nas nossas mentes nem sempre são fáceis de compreender, mas o tempo torna tudo mais fácil, ou pelo menos mais aceitável. Aqui começa a minha aventura oriental, e espero que este seja o caminho. Byatt escreveu sobre a necessidade que todos temos de ter um caminho nosso. O destino não é importante, mas a viagem que fazemos para o alcançar. Quero percorrer o meu e descobrir até onde me irá levar.

“You can only come to the morning through the shadows.” - J.R.R.Tolkien