segunda-feira, 15 de junho de 2009

Os outros

Alcançar uma meta, cumprir um sonho, atingir objectivos... Tudo isto são coisas que falam alto, e nos levam às nuvens. Lutar por aquilo em que se acredita e fazer por cumprir algo a que nos propomos é algo que para mim é das coisas mais importantes na vida, mas acima disso, só ver a felicidade daqueles que nos são próximos a fazer o mesmo, e a terem o merecido reconhecimento.


Vivemos num mundo em que as aparências comandam as acções das pessoas, que tudo fazem a troco de algo... é mundo do vácuo no espírito das pessoas que vivem de ilusões sem nada por onde se lhes pegue para além de uma imagem ilusória que não tardará a desavanecer-se em fumo deixando a sua essência vazia a descoberto. Quando encaro este tipo de mundo sinto-me perder o ar, e perder a esperança no amanhã. Que tipo de esperança pode vir de uma situção tão cinzenta de pessoas que morrem de fome ao lado das casas multimilionárias de novos ricos que esbanjam milhões em pares de calças? O problema é que o grande papão moderno da nossa sociedade, o consumismo desenfreado que leva famílias ao limiar da pobreza extrema com o sobreindividamento, começa a passar as suas patas até por mim, e eu sinto-as caminhar, peludas, pela minha pele. Produtos electrónicos que ficam ultrapassados no dia seguinte, mais serviços que ninguém usa no tempo que nem tem, mais bugigangas para enfeitar um sítio onde mal temos tempo de nos deitar. Uma vida frenética de correrias e compras, e trabalho para no final ganhar mais dinheiro para poder correr mais, comprar mais e ter de trabalhar cada vez mais, numa espiral sem fim.
Mas ultimamente o meu mundo tem ficado um pouco mais brilhante, e tem recebido umas cores. Muita coisa tem acontecido nos últimos tempos, e penso que pode não ter sido muito mas se vir o meu interior como uma árvore, acho que cresci mais uns centímetros, e desnvolvi um ou dois raminhos. Decidi que não vou deixar os meus problemas aqui estragarem o meu sonho que sempre foi vir aqui. Decidi que vou voltar para Portugal com recordações bonitas do Japão, e agora tenho mais energia que nunca para as alcançar. Esta semana chegou ao Japão a primeira, de apenas duas, visitas vindas de Portugal. É alguém que me faz muito bem ter por perto, e juntas temos aproveitado para conversar e ver algumas coisas. É a ter de lhe explicar muitas coisas que para mim já se tornaram mais normais que percebo o quanto já me adaptei a esta vida. Nessas explicações revejo o caminho longo que percorri deste lado, e vejo o caminho que devo seguir de ora em diante. Vamos passear mais, e ter alguém de Portugal ao lado para partilhar pensamentos e pontos de vista fazia-me tanta falta.
Acabo de ficar muito contente por perceber que tenho a sorte de ter amigos que se destacam dos cinzentos mórbidos desta realidade em que vivemos. Pessoas que lutam por valores e ideais sem se deixar parar por nada. Que continuam a perseguir aquilo que buscam mesmo quando montanhas se atravessam nos seus caminhos. Uma dessas pessoas acaba de alcançar um reconhecimento - algo que quem a conhece, sobretudo alguém que a conhece, como eu, desde o infantário, já lho reconhece há muito muito tempo - público por uma grande causa pela qual tem batalhado muito. A TVI fez uma reportagem sobre esta causa, e poderão consultá-la no link abaixo:




Parabéns Joaninha, e continua a mudar este mundo, uma tampinha de cada vez!
Tinha 12 anos da primeira vez que me lembro de ter lido o poema que se encontra a seguir, mas claro que a canção interpretada por Manuel Freire já há muito que ouvira. Nas palavras imemoriais de António Gedeão muita coisa fez sentido na minha cabeça então ainda tão diferente. Cresci e mudei, mas a cada vez que leio e ouço estas palavras encontro mais um ponto, mais uma vírgula que me passara ao lado da última vez... Espero que vos diga algo, porque a mim fala bem fundo,


"Pedra Filosofal
Eles não sabem que o sonho
É uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho alácre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorna de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

In Movimento Perpétuo, 1956"


terça-feira, 9 de junho de 2009

Novidades fresquinhas

Sim, já cá não passava há imenso tempo, mas as horas do dia não são suficientes para a loucura que é a vida por estes lados. Como me faz falta o ritmo de Portugal! Bem, quem me conhece sabe que o meu ritmo é algo mais apressado que os dos demais no nosso Portugal à Beira-Mar plantado, mas nada se compara ao ritmo de Tóquio. O cansaço físico, mas sobretudo o psicológico desta vida de correria frenética é suficiente até para me sugar a vontade de ler, escrever, dançar ou passear. Agora compreendo as multidões de alunos que dormem na Biblioteca ao longo do dia, e os muitos passageiros que não aguentam o João Pestana durante as viagens de comboio.
O tempo continua a pregar-me muitas partidas... Corre acelerado e cada vez mais se aproxima o dia em Setembro em que estarei de volta ao meu lugarzinho... Mas ao mesmo tempo que corre desenfreado - parecendo que ainda ontem recomeçaram as aulas, e já estamos em Junho, e já tive os exames de meio de semestre de Japonês - simultaneamente, o tempo brincalhão anda a gozar comigo, e vai-se arrastando até mais não.
A minha rotina anda na mesma. As aulas de Japonês que são a minha tortura diária, mais as de Mestrado em que posso respirar e aproveitar, mais as pequenas investidas na minha pesquisa... A minha pesquisa, essa pelo menos começa a tomar contornos mais definidos, mas quando penso em tudo o que há para fazer antes de regressar, sinto-me desmotivar, porque penso que não vai ser suficiente. A minha pesquisa precisava de muito mais tempo no Japão, mas eu não conseguiria suportar continuar aqui, a minha sanidade mental e a minha condição física não iam aguentar. Às vezes olho para os muitos estudantes internacionais, e os muitos estrangeiros que aqui vivem e penso se eles terão alguma coisa que eu não tenha, alguma força maior que os ajuda a ultrapassar aquilo que a mim me deita abaixo. Não sei se será esse o caso, mas sei que conheço demasiado bem um tipo de vida que é muito diferente deste. Este período deste lado mostrou-me muita coisa sobre mim mesma, e nem sempre gosto do que vejo em mim. Não sou o ideal de pessoa que aspirava ser, e nem sei se o vou conseguir ser um dia. A minha abertura cultural e o respeito pela diferença são postos a provas de fogo, e nem sempre passa. Revolto-me com muita coisa à minha volta, e dias há em que tenho de me bater mentalmente para ultrapassar o mau humor que sair à rua me causa. Faltam-me tantas coisas aqui.
A verdade é que nem tudo é negro, mas em certos dias o sol não brilha por mais que eu queira. O que me vale são os laços que me prendem a Portugal, e com quem falo com alguma regularidade, eles mostram-me a pessoa que eles vêem em mim, mesmo quando eu me esqueço, e isso é muito importante.
Mas voltando à minha pesquisa. Fiz a minha primeira conferência pública, num encontro que reuniu professores de todo o Japão sobre diversos temas ligados à Educação. Quase todos eram estrangeiros, e foi tão bom ter estado lá, dois dias, com eles, a partilhar experiências e ideias, a conhecer um mundo novo, o da pesquisa a sério. Claro que me senti mesmo amedrontada. Algumas das pessoas que assistiram à minha conferência eram investigadores no mesmo campo de estudo que eu, a focar aspectos semelhantes, mas eles contam já com anos de investigação, e eu só estou ainda a aprender a gatinhar! No final, esperei ansiosamente pela reacção deles, e fiquei surpreendida pelo apoio que me deram, os conselhos e sugestões que me apresentaram, e sobretudo por me terem tratado como alguém igual a eles, apesar de ainda sem muita experiência.
No Japão tenho questionado muito o meu posicionamento na hierarquia social. No meio de Japoneses, e sobretudo se a Língua a usar for o Japonês, o meu lugar é o de um bebé. Um ser incapaz de fazer algo por si próprio, que não tem voz, não consegue falar. A imagem que as pessoas nesses contextos devem ter de mim é a de um ser transparente, vazio, minúsculo. Isto afectou e continua a afectar-me muito, porque nunca antes me tinha sentido assim. Nem quando era criança me sentia assim (sempre fui responsável, e sempre me habituei a que os adultos me tratassem como alguém capaz), e mesmo quando estive em Inglaterra, não houve nenhuma situação em que me sentisse inferior só por não ser "native speaker". Em Português, Inglês, Espanhol (ainda que sem o ter estudado formalmente) e até no Francês (em que falar é difícil para mim) me sinto capaz de me mostrar como uma pessoa inteligente e capaz de falar sobre uma multiplicidade de tópicos. Em Japonês o caso muda de figura. Claro que melhorei desde que aqui cheguei. Tenho aulas todos os dias, já sou capaz de ler muitos "Kanji", e consigo perceber discursos em velocidade de "native speaker" dependendo do tipo de linguagem e o tópico usados. Percebo muitas das coisas que ouço, mas quando quero abrir a boca sinto-me gaga. Ou pior, sinto-me muda de repente, a imagem é a de alguém que abre a boca confiante de que vai falar, mas cuja voz falta no momento crucial.
Mas há coisas que estão a melhorar, e não deve ser à toa que todos os estrangeiros dizem que o primeiro ano é o pior. Bem, para mim será o único. Espero regressar um dia, ou muitos mais dias ao Japão, e mesmo a Tóquio, mas da próxima só como turista, ou noutro tipo de visitas breves.
Por falar em mudanças, no mês passado houve uma grande mudança: na cor do meu cinturão no Shorinji Kempo. Passei o exame 3Kyu (sankyu), e por isso agora estou no primeiro nível de cinturão castanho. O meu novo cinturão é lindo, não por causa da cor, mas porque só para nós que nos vamos embora antes de alcançarmos o cinturão negro, o clube encomendou um cinturão castanho com o nosso nome bordado em dourado. Pode não ser muito, e claro que não significa que eu esteja pronta a defender-me em qualquer situação, mas sinto que percorri um longo caminho, a conhecer a minha vulnerabilidade e a minha força, e a aprender coisas que me poderão ser muito úteis. Espero poder continuar em Portugal, se não nesta arte marcial (que realmente preferia continuar) então noutra, uma que foque o aspecto de defesa como esta o faz, e que seja fundada em ideias que partilho, tal como partilho dos desta.
Nesta semana uma outra novidade vai acontecer. Vou ter a minha primeira visita de Portugal. A minha orientadora vem passar férias ao Japão. A minha orientadora também é apaixonada pelo Japão, e vai cá ficar três semanas. Vou estar com ela já na sexta-feira, e nem posso descrever como vai ser bom rever uma cara amiga e familiar.
Bem, mais novidades deverão aparecer nos tempos vindouros, e eu cá tentarei dar conta delas, mas até lá por aqui ficam votos de que todos se encontrem bem. E se quiserem dar-me notícias, estejam à vontade.