Sim, já cá não passava há imenso tempo, mas as horas do dia não são suficientes para a loucura que é a vida por estes lados. Como me faz falta o ritmo de Portugal! Bem, quem me conhece sabe que o meu ritmo é algo mais apressado que os dos demais no nosso Portugal à Beira-Mar plantado, mas nada se compara ao ritmo de Tóquio. O cansaço físico, mas sobretudo o psicológico desta vida de correria frenética é suficiente até para me sugar a vontade de ler, escrever, dançar ou passear. Agora compreendo as multidões de alunos que dormem na Biblioteca ao longo do dia, e os muitos passageiros que não aguentam o João Pestana durante as viagens de comboio.
O tempo continua a pregar-me muitas partidas... Corre acelerado e cada vez mais se aproxima o dia em Setembro em que estarei de volta ao meu lugarzinho... Mas ao mesmo tempo que corre desenfreado - parecendo que ainda ontem recomeçaram as aulas, e já estamos em Junho, e já tive os exames de meio de semestre de Japonês - simultaneamente, o tempo brincalhão anda a gozar comigo, e vai-se arrastando até mais não.
A minha rotina anda na mesma. As aulas de Japonês que são a minha tortura diária, mais as de Mestrado em que posso respirar e aproveitar, mais as pequenas investidas na minha pesquisa... A minha pesquisa, essa pelo menos começa a tomar contornos mais definidos, mas quando penso em tudo o que há para fazer antes de regressar, sinto-me desmotivar, porque penso que não vai ser suficiente. A minha pesquisa precisava de muito mais tempo no Japão, mas eu não conseguiria suportar continuar aqui, a minha sanidade mental e a minha condição física não iam aguentar. Às vezes olho para os muitos estudantes internacionais, e os muitos estrangeiros que aqui vivem e penso se eles terão alguma coisa que eu não tenha, alguma força maior que os ajuda a ultrapassar aquilo que a mim me deita abaixo. Não sei se será esse o caso, mas sei que conheço demasiado bem um tipo de vida que é muito diferente deste. Este período deste lado mostrou-me muita coisa sobre mim mesma, e nem sempre gosto do que vejo em mim. Não sou o ideal de pessoa que aspirava ser, e nem sei se o vou conseguir ser um dia. A minha abertura cultural e o respeito pela diferença são postos a provas de fogo, e nem sempre passa. Revolto-me com muita coisa à minha volta, e dias há em que tenho de me bater mentalmente para ultrapassar o mau humor que sair à rua me causa. Faltam-me tantas coisas aqui.
A verdade é que nem tudo é negro, mas em certos dias o sol não brilha por mais que eu queira. O que me vale são os laços que me prendem a Portugal, e com quem falo com alguma regularidade, eles mostram-me a pessoa que eles vêem em mim, mesmo quando eu me esqueço, e isso é muito importante.
Mas voltando à minha pesquisa. Fiz a minha primeira conferência pública, num encontro que reuniu professores de todo o Japão sobre diversos temas ligados à Educação. Quase todos eram estrangeiros, e foi tão bom ter estado lá, dois dias, com eles, a partilhar experiências e ideias, a conhecer um mundo novo, o da pesquisa a sério. Claro que me senti mesmo amedrontada. Algumas das pessoas que assistiram à minha conferência eram investigadores no mesmo campo de estudo que eu, a focar aspectos semelhantes, mas eles contam já com anos de investigação, e eu só estou ainda a aprender a gatinhar! No final, esperei ansiosamente pela reacção deles, e fiquei surpreendida pelo apoio que me deram, os conselhos e sugestões que me apresentaram, e sobretudo por me terem tratado como alguém igual a eles, apesar de ainda sem muita experiência.
No Japão tenho questionado muito o meu posicionamento na hierarquia social. No meio de Japoneses, e sobretudo se a Língua a usar for o Japonês, o meu lugar é o de um bebé. Um ser incapaz de fazer algo por si próprio, que não tem voz, não consegue falar. A imagem que as pessoas nesses contextos devem ter de mim é a de um ser transparente, vazio, minúsculo. Isto afectou e continua a afectar-me muito, porque nunca antes me tinha sentido assim. Nem quando era criança me sentia assim (sempre fui responsável, e sempre me habituei a que os adultos me tratassem como alguém capaz), e mesmo quando estive em Inglaterra, não houve nenhuma situação em que me sentisse inferior só por não ser "native speaker". Em Português, Inglês, Espanhol (ainda que sem o ter estudado formalmente) e até no Francês (em que falar é difícil para mim) me sinto capaz de me mostrar como uma pessoa inteligente e capaz de falar sobre uma multiplicidade de tópicos. Em Japonês o caso muda de figura. Claro que melhorei desde que aqui cheguei. Tenho aulas todos os dias, já sou capaz de ler muitos "Kanji", e consigo perceber discursos em velocidade de "native speaker" dependendo do tipo de linguagem e o tópico usados. Percebo muitas das coisas que ouço, mas quando quero abrir a boca sinto-me gaga. Ou pior, sinto-me muda de repente, a imagem é a de alguém que abre a boca confiante de que vai falar, mas cuja voz falta no momento crucial.
Mas há coisas que estão a melhorar, e não deve ser à toa que todos os estrangeiros dizem que o primeiro ano é o pior. Bem, para mim será o único. Espero regressar um dia, ou muitos mais dias ao Japão, e mesmo a Tóquio, mas da próxima só como turista, ou noutro tipo de visitas breves.
Por falar em mudanças, no mês passado houve uma grande mudança: na cor do meu cinturão no Shorinji Kempo. Passei o exame 3Kyu (sankyu), e por isso agora estou no primeiro nível de cinturão castanho. O meu novo cinturão é lindo, não por causa da cor, mas porque só para nós que nos vamos embora antes de alcançarmos o cinturão negro, o clube encomendou um cinturão castanho com o nosso nome bordado em dourado. Pode não ser muito, e claro que não significa que eu esteja pronta a defender-me em qualquer situação, mas sinto que percorri um longo caminho, a conhecer a minha vulnerabilidade e a minha força, e a aprender coisas que me poderão ser muito úteis. Espero poder continuar em Portugal, se não nesta arte marcial (que realmente preferia continuar) então noutra, uma que foque o aspecto de defesa como esta o faz, e que seja fundada em ideias que partilho, tal como partilho dos desta.
Nesta semana uma outra novidade vai acontecer. Vou ter a minha primeira visita de Portugal. A minha orientadora vem passar férias ao Japão. A minha orientadora também é apaixonada pelo Japão, e vai cá ficar três semanas. Vou estar com ela já na sexta-feira, e nem posso descrever como vai ser bom rever uma cara amiga e familiar.
Bem, mais novidades deverão aparecer nos tempos vindouros, e eu cá tentarei dar conta delas, mas até lá por aqui ficam votos de que todos se encontrem bem. E se quiserem dar-me notícias, estejam à vontade.
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