Estar no Japão tem vindo a oscilar entre o muito positivo e o bastante negativo. Com calma as coisas vão seguindo lentamente o seu curso, e as saudades que apertam muitas vezes vão sendo apaziguadas com longas horas de conversa online, e com muitos emails de e para Portugal.
Para acalmar as saudades mantenho-me tão ocupada quanto possível - não é que precise de me esforçar muito, afinal de contas só as minhas aulas de Japonês com os seus, em média, três testes semanais, consegue deixar-me sem tempo para o quer que seja. Mas nem tudo pode ser trabalho, e vezes há em que arranjo um tempinho para fazer algo extraordinariamente especial. Experimentar coisas tradicionalmente Japonesas tem vindo a provar um dos melhores remédios para me ajudar a ver o lado positivo de aqui estar, e para acalmar as saudades...
Pois é, aqui há uns dias atrás, numa bela tarde de sábado, a minha amiga MM convidou-me e à minha amiga Mexicana M, para irmos ter com ela para uma aula muito especial. Ela anda a frequentar um curso para aprender a vestir o Kimono, o traje tradicional Japonês que tem tantas regras para ser usado, que ela vai ter de o frequentar durante três anos, duas vezes por mês. Existe uma grande variedade de Kimono, cuja tradução literal significa 'algo para usar'. Cada um tem a sua ocasião e estilo para ser usado. Meninas e senhoras usam Kimono de forma diferente de modo a mostrarem claramente o seu estado civil. Isto já para nem mencionar o sem número de acessórios e técnicas necessárias para conseguir vestir o Kimono. Podem bem duvidar, mas existem alguns tipos de kimono que uma pessoa a vestir-se sozinha simplesmente nunca poderia usar. Para quem quiser saber um pouquinho mais sobre esta vestimenta tradicional o site http://en.wikipedia.org/wiki/Kimono tem algumas informações muito úteis, ainda que esteja em Inglês (infelizmente a entrada na página escrita em Português é muito pobre, como se passa com tantas outras entradas).
Nesta tarde fomos levadas para um salão onde duas professoras de técnica de Kimono se encontravam a ensinar a jovens e a mulheres já maduras a arte de usar o traje. Enquanto a minha amiga tinha a sua aula (que foi dedicada a aprender como usar um Kimono formal que as mulheres casadas usam, sobretudo em casamentos), eu e a M fomos convidadas a experimentar um Furisode (que é um Kimono formal que as jovens solteiras usam, por exemplo num casamento, depois de entrarem na maioridade, aos 20 anos, e que se caracteriza particularmente pelas suas longas mangas, que indicam o estado civil da jovem). Depois de escolhidos os padrões para cada uma de nós, - o que foi complicado para a M, que por ser mais alta do que a média Japonesa quase que não tinha nenhum que lhe ficasse bem em altura, - começou o processo de nos vestir a rigor. Fui primeiro! E quando me dei conta, estava rodeada por três senhoras cada qual muito empenhada numa parte da vestimenta. Jamais alguma jovem consegue vestir este Kimono sozinha. Três senhoras experientes a vestir kimono e mesmo elas tiveram de se socorrer dos manuais algumas vezes, sobretudo quando se tratou do obi, que é a faixa de seda que aperta a zona abaixo do peito, e como podem constatar nas fotos que deixo abaixo, é mesmo muito trabalhado atrás. Uma das professoras, foi-nos dito depois, é uma especialista em arranjos de obi, sendo que viajou pelo mundo a ensinar como os arranjar, porque aparentemente tem a habilidade de transfomar o laço do obi em qualquer flor que deseje.
Demora imenso tempo a vestir um kimono, e durante esse tempo parecia que eu tinha sido transportado para outra era, para outra realidade. Uma era de rainhas e de aias, e senti-me estranha por tudo me estar a ser feito. A passividade é algo de difícil aceitação hoje em dia, mas nada se pode fazer quando existem tantos pormenores à frente, atrás e dos lados, e tudo tem de ficar perfeito.
O resultado foi de cortar a respiração. Quase não me reconheci. Dentro daquela seda lindíssima, cujo padrão somente já fascina. Claro que nunca poderia parecer nada mais nada menos do que uma estrangeira com uma 'pele' que não é a sua, mas foi interessante brincar a este 'faz de conta'. Senti-me numa história diferente da minha, senti-me outra por momentos, e isso fez-me pensar sobre quem eu sou, e quem gostaria de ser. É neste momento que, aqueles que me conhecem melhor, se perguntam, mas então onde está o teu lado feminista? Realmente ir a uma aula de Kimono, e depois tomar chá e bolos com as demais senhoras, vestindo belos Kimono, parece algo de muito tradicional e muito à mulher antiga. Mas a todos que se interrogam, a verdade é que a experiência foi fascinante, e afinal, ser feminista significa que eu posso fazer tudo quanto quero porque quero, e não porque a sociedade me obriga a isso, ou pelo menos é isso que significa para mim. Tive uma belíssima experiência tradicional, e conheci senhoras Japonesas muito interessantes, que resistiram à segunda guerra mundial e que têm histórias de vida mais fascinantes do que as de alguns livros de ficção.
Deixo-vos uma breve amostra da minha experiência. Sei que vou parecer um tanto estranha, mas por favor reparem no belíssimo kimono que estou a usar, porque é realmente belo, e ainda por cima tem duas das minhas cores preferidas. Simplesmente extraordinário.
Apenas um breve pensamento final,
"I, with a deeper instinct, choose a man who compels my strength, who makes enormous demands on me, who does not doubt my courage or my toughness, who does not believe me naïve or innocent, who has the courage to treat me like a woman." ~Anaïs Nin
(Eu, com o meu instinto mais profundo, escolho um homem que impulsiona as minhas forças, exige muito de mim, que não duvide da minha coragem ou da minha resistência, que não me tenha por ingénua ou inocente, que tenha a coragem de me tratar como uma mulher).
*A título de curiosidade: Anaís Nin é o nome porque ficou conhecida Angela Anaïs Juana Antolina Rosa Edelmira Nin y Culmell, uma autora cubano-francesa. No cinema existe um filme baseado na sua relação com Henry Miller, intitulado Henry and June, em que o papel de Nin coube à nossa grande Maria de Medeiros.
Sem comentários:
Enviar um comentário