Os meus fins-de-semana começam a proporcionar-me momentos óptimos de imersão na cultura tradicional Japonesa, e quase sem dar por isso sou levada tal como a Dorothy para um mundo mágico de tradições e rituais antigos que me condicionam e me fazem apaixonar cada vez mais por esta cultura tão distinta da minha. Uma cultura de contrastes e de oxímoros quotidianos, mas que de vez em quando se transforma em sonho em vez de pesadelo, e que me leva, de olhinhos a brilhar, a ver algo diferente e a descobrir coisas novas, enquanto me redescubro a mim mesma.
Este foi um fim-de-semana extremamente rico. Sim, é verdade que ainda estou no Domingo, mas acho que o mais surpreendente já merece ser aqui reportado.
Tudo aconteceu na sexta-feira (7 de Nov., 2008). Há cerca de três semanas atrás, na aula de Japonês foi-nos dada a possibilidade de assistir a uma peça de Kabuki (Teatro Tradicional Japonês reconhecido pelas suas histórias retorcidas, pelo uso de maquilhagem e guarda-roupas fantásticos, assim como por ser apresentado por troupes de homens somente - para quem quiser saber mais: http://pt.wikipedia.org/wiki/Kabuki), por uma quantia de cerca de um quarto do preço original. Foi uma oportunidade a não perder. O espectáculo era em Heisei-Nakamuraza, o teatro da família Nakamura, uma das troupes mais conhecidas do Japão, situado na bela e tradicional Asakusa, com o seu grande templo Shinto. Foi em grande expectativa que subi os degraus para o segundo andar do teatro, e me sentei no meu lugar, directamente por cima do palco (ou seja, atrás das cortinas!). Foi a melhor coisa que podia ter acontecido! A vista da peça foi óptima e ainda pude ficar a saber como se processam as coisas ao nível do backstage (mudanças de cenário, maquilhagem e trocas de roupa em palco, substituições e saídas dos actores...), enfim, todos aqueles pormenores extra que só enriqueceram a minha experiência no Kabuki. Vi uma peça famosa no Japão, normalmente intitulada por Hokaibo (Sumidagawa Gonichi No Omokage - para saber mais: http://www.lincolncenter.org/load_screen.asp?screen=Hokaibo, em Inglês). Sem ter levado o meu suporte auditivo em Inglês, assisti à peça como quem assiste a uma peça de bailado, e pelo movimento e dramatização consegui perceber tudo aquilo que procuravam transmitir (ainda que tenha perdido muitas das fontes verbais do cómico!). Foi algo de único, mágico mesmo. Conseguem de certo imaginar, eu, lá sentada, com os olhinhos a brilhar, sobretudo quando: a personagem principal, o líder da troupe (Nakamura Kanzaburo, na imagem), aparece mesmo por trás de mim, para entrar na cena seguinte. Não há palavras! Nunca vou esquecer esta minha experiência no Kabuki, e desde agora sou fã desta arte (ainda que tenha tenha reservas sobre as mulheres serem proibidas de fazer parte deste espectáculo). No final da peça, depois de vários minutos a aplaudir de pé, e das cortinas terem sido abertas três vezes, finalmente acordámos do sonho, e 'voltámos ao Kansas', não sei se com mais coragem, mas certamente com um cérebro e um coração mais ricos. É certamente uma experiência que tenho de repetir. Foi algo de fascinante para mim.
Mas porque será que só damos valor ao que perdemos, ou ao que não é nosso? É cada vez mais verdade que "A galinha da vizinha é sempre melhor do que a minha!", e isso foi óbvio para mim ontem (Sábado). Fui encontrar-me com a minha amiga MM, de quem já falei e com a sua mãe, (para uma experiência alucinante que marcou este fim-de-semana, mas sobre a qual reflectirei noutra oportunidade) e contei-lhes a fantástica experiência que tivera no Kabuki no dia anterior. Elas ficaram muito contentes por ouvir tudo, mas confessaram nunca ter ido assistir a Kabuki, nem conhecer a peça que eu tinha ido ver. Reflectindo sobre isso, lamentei o facto de não darmos o devido valor às coisas maravilhosas que temos. Os Lusitanos não podiam ser melhor exemplo disso mesmo. Aproveitemos para pensar...Quantos de nós leram a 'Bíblia Nacional' que são os Lusíadas e que tanto dizem do nosso povo, da nossa história e dos nossos costumes? Quantos de nós preferem viajar dentro do país a ir passar férias fora? Entristece-me ver que muitos de nós não apreciam realmente as coisas belas que tomamos como certas. Quantos de nós já frequentaram uma casa de fados? Eu ainda não, mas sinto-me cada vez mais impelida a fazê-lo, afinal, estou sempre em contacto com pessoas de outras culturas, sou como uma 'emissária cultural' da minha cultura, e sinto a necessidade de ser capaz de a dar a conhecer aos demais. Mas será que mais pessoas pensam como eu?
Sou Gaikokujin, uma estrangeira aqui, e olho para tudo com a admiração e o interesse de alguém de fora que quer descobrir tudo ao máximo. Espero continuar a desenvolver-me no sentido de um dia, poder alcançar um estado que me faça olhar para tudo com a objectividade e com a curiosidade de quem vê de dentro para fora...tal como Eduardo Lourenço, esse nome tão ilustre da nossa sociedade, espero viver nas margens com mais intensidade do que quem vive no centro.
Tudo tem alguma beleza, mas nem todos são capazes de ver. (Confúcio)
Um pequeno post-scriptum: Ao sair do meu lugar e a dirigir-me para as escadas do teatro reparei que havia grande movimentação junto dos lugares VIP, e qual não foi o meu espanto ao saber que, nem mais nem menos do que Hayao Miyazaki (http://pt.wikipedia.org/wiki/Hayao_miyazaki), uma lenda viva do Anime, e figura ilustre da sociedade Japonesa contemporânea, estava ali, a alguns metros de onde me encontrava! Foi um encerro com chave de ouro!
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