quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Sankagetsu (3 meses)

Feliz Ano Novo


Sankagetsu, e muitos mais dias, uma vez que esta entrada devia ter sido publicada a 19 de Dezembro... Antes de mais, devo desculpar-me pela minha pouca assiduidade no mês passado. Um mês que foi uma autêntica montanha-russa de trabalho, celebrações, e sentimentos contraditórios.

As minhas conversas com o Saikyo têm continuado na sua forma habitual. Ele tem-me possibilitado entrar em mundos fantásticos através dos poderes mágicos inerentes aos dragões como ele. Mas ultimamente, o Saikyo mostrou-me algo que eu pensei não ser possível. Aparentemente os dragões têm capacidades extraordinárias, e não é só ao nível físico. Claro que são gigantescos, e que as suas escamas prateadas são mais duras que titânio, mas eles são capazes de feitos extraordinários, como o de conceder entrada em mundos paralelos àquele em que vivemos, ou mesmo levar-nos até ao mundo fantástico feito dos nossos próprios sonhos.
Recentemente tenho deixado o Saikyo preocupado. A minha saúde tem vindo a piorar desde há algum tempo, e a minha fragilidade física tem começado a notar-se. Depois de várias observações, o Saikyo, com os seus poderes de dragão, perguntou se podia entrar nos meus sonhos e ver se a causa da minha condição podia estar neles.
- Nos meus sonhos? Que queres dizer com isso? Se não me encontro bem deveria ir ao hospital ou algo assim.
- Enganas-te – disse-me o Saikyo – a tua condição não se parece com as que vejo nas bolas quando elas precisam de ir consultar aquelas pessoas a quem chamam médicos, e que são como os tratadores que nos tratam quando nós, dragões, temos algum problema. A perda de cor e de energia vital que tenho vindo a perceber em ti, faz-me pensar que uma razão mais profunda pode estar na sua origem.
Depois de mais alguns argumentos, aceitei deixar o Saikyo entrar nos meus sonhos, para descobrir o que de errado poderia estar por lá.
- Os sonhos revelam muito sobre a nossa vida interior, e os nossos receios, as nossas ambições, e mesmo as nossas capacidades. O que eu vou fazer é simples: vou abrir os meus poros, junto dos meus olhos, e tu vais entrar num deles. Lá dentro vai sentar-te perto da iris dos meus olhos e vais fechar os teus. Quando o fizeres, vais entrar num sono que eu vou induzir através de vapores especiais que trouxe do meu país da última vez que o visitei.
- Saikyo, esses vapores...
- Não te preocupes, são perfeitamente seguros, até para alguém como tu, tão diferente de mim, e tão diferente das bolas também. Continuando com o processo. Quando adormeceres, eu vou ligar-nos espiritualmente. Vou fazer isso ao estender uma das minhas células, que se vai ligar aos teus olhos, mais uma vez, não tens nada com que te preocupar, vai ser como usar óculos, mas isso vai permitir-me ver tudo o que vires nos teus sonhos, e assim descobrir a causa do teu mal estar.
E assim começámos com este procedimento. O Saikyo abriu os poros junto dos olhos e eu entrei. Nunca lá tinha estado antes, mas parecia-me igual aos demais poros em que já tinha entrado, por isso avancei sem hesitação, e fui sentar-me na espécie de sofá que se formava através dos seus músculos e ossos. O ar começou a ficar pesado, e uns vapores começaram a elevar-se. O cheiro era doce, e suave, e sem dar por isso caí num sono profundo. E isto foi o que sonhei, segundo o Saikyo me contou depois...
“Estava no meio de um campo deserto. A toda a volta estavam flores por desabrochar, e árvores ainda completamente despidas. Apesar de rara, a neve cobria tudo, com pequenas manchas brancas, tal como os enfeites que usava no cabelo quando era pequena. No centro desta paisagem nua, eu encontrava-me no meio de um lago, onde havia uma única pedra que se elevava no seu centro. Eu estava lá, em pé mas adormecida, numa espécie de sonambulismo, e lágrimas corriam pelo meu rosto, mas não demonstrava nenhuma emoção. Era como se chorasse sem sentir absolutamente nada. Os meus olhos abertos não viam nada e miravam o vazio de um céu cinzento mas sem qualquer nuvem. De repente, como se uma mão invisível me trespassasse, o meu coração, ainda a bater foi saindo do meu peito. Não havia qualquer mancha de sangue, e não parecia ter afectado o meu estado minimamente. Simplesmente agora, o meu coração batia fora do meu corpo. O seu vermelho escureceu, e depois como um pedacinho de gelo em que se deita água, rachou-se, e uma pequena parte soltou-se do resto. Essa pequena parte escureceu até ficar preta, como o carvão, e depois de cair na pedra onde me encontrava, estilhaçou-se em mil pedaçoes que se misturaram com os minerais da pedra e desapareceram. As lágrimas caiam agora com maior intensidade, mas eu continuava impassível e a vislumbrar o vazio. Os meus olhos estavam baços e não viam nada, era como se estivesse simplesmente a olha para o meu interior. Mas, de repente, apareceu uma pequena luz muito azul no céu. Uma luz de um azul turquesa bem forte. Tão forte que acordou os meus olhos baços, e por um momento pareceu que eu respirava um fôlego há muito perdido. Respirei fundo, e olhei atentamente para essa luz, que lentamente começava a descer e a tomar forma. Quando se encontrava perto do meu rosto, olhei-a de frente, e compreendi que parecia uma pequena gota de água, tão azul, e tão límpida como nunca tinha visto. Levantei a minha mão, para a tentar agarrar, mas qual gota de água, a pequena luz escorreu pelos meus dedos e caiu no chão, onde anteriormente se haviam dissolvido os muitos fragmentos do pedaço do meu coração, que continuava, não obstante, a bater como anteriormente, apesar do pedaço em falta. Ao tocar o chão de pedra fria, a luz brilhou mais intensamente e no seu lugar desabrochou uma pequena flor. Primeiro o caule, depois pequenas folhinhas verdes que dele nasciam, e por fim, apareceu o botão que revelaria a flor que nasceria daquela luz brilhante e azul. Olhei atentamente para baixo, e percebi, uma pequena papoula, pequena e humilde, mas forte e vigorosa, feita de um azul turquesa como nunca antes havia visto. “
Ainda que não tenha sido muito difícil perceber que o meu coração sentia a perda de algo importante, o Saikyo explicou-me que se queria resolver o meu mal estar interior, e recuperar o pedaço que havia perdido do meu coração devia embarcar numa viagem até uma terra distante, em busca da papoula azul que eu havia visto nascer da luz brilhante que caíra na pedra.
- Mas Saikyo, não existem papoulas azuis. – disse eu hesitante.
- Não existem, hem? A quantos mundos já te levei desde que aqui chegaste? Quantas vezes já viste, experimentaste, descobriste coisas que sempre te pareceram impossíveis à luz do que vias no teu pequeno pedacinho de mundo?
Era bem verdade, e eu sabia-o perfeitamente. Os mundos a que havia sido transportada...Não, mesmo este país das bolas, em que encontrei os dragões magestosos dos quais o Saikyo faz parte, tudo isto já devia ser suficiente para me provar que há mais coisas nesta e noutras realidades do que sonha a minha vã filosofia, para usar a forma shakespeariana. Restava-me portanto aceitar, e ouvir o que o Saikyo me aconselharia a fazer.
Então, um dia, a ver um sol brilhante que nascia no horizonte, partimos bem cedo, à aventura, para procurar a minha papoula azul.


2 comentários:

alguém em algum lugar disse...

Feliz ano novo cheio de surpresas boas e muita saúde!
Beijinho, Sara

Lia disse...

Adoro ler estas tuas palavras...e gostava imenso de conhecer esse dragão parece-me mesmo muito simpático! ;)