domingo, 12 de outubro de 2008

Adaptação

A data aproxima-se. Em breve vou olhar para o calendário e ver que um mês já passou desde que cheguei ao Japão.
As aulas já começaram e mantêm-me bastante ocupada, ou não fossem as toneladas de trabalhos de casa, e os múltiplos testes de Japonês que se sucedem dia sim, dia não. As aulas de mestrado também não são propriamente pouco trabalhosas, antes pelo contrário, mas pelo menos nessas consigo ter a satisfação de participar activamente nelas, isto porque, primeiro são em Inglês, pelo que não tenho problemas em perceber, e segundo porque focam matérias e temas, que não só são extremamente aliciantes para mim, como também já estudei alguns deles, e agora limito-me a expandir e repensar o conhecimento que já possuía.
Para além das aulas, decidira já em Portugal, que enquanto aqui estivesse, iria procurar aprender uma arte marcial. A escolhida foi Shorinji Kempo. Shorinji Kempo é uma arte marcial de auto-defesa própria do Japão. Quase todos os membros, à excessão, primeiro de três, e agora de quatro forasteiros que decidiram começar a aprender, são Japoneses. Somos os quatro mosqueteiros! Facilmente reconhecíveis pelas nossas feições estranhas - olhos mais arredondados e de cores variadas, cabelos mais claros e mais volumosos - como pelas roupas que usamos e que, claro, não enquadram com os demais que usam o "dogi" tradicional desta arte. Mas, a partir da próxima semana só as feições nos distinguirão, porque devem chegar os nossos 'dogi' com o nosso nome escrito em Katakana. Mal posso esperar. Enfim, comecei há uma semana, fez ontem exactamente, e consigo ver melhorias na forma como me mexo e reajo a situações de simulação de combate. Estou extremamente entusiasmada, e quero melhorar tanto quanto possível. Na verdade, nós, os Quatro, estamos todos empenhados, e a entre-ajuda é uma boa forma de avançar.
Ultimamente tenho estudado bastantes assuntos diferentes, e tenho sentido que muito do que estudo me ajuda a compreender melhor onde me encontro, como vivo esta experiência, e sobretudo a interpretar e a direccionar aquilo que sinto.
Estou a viver um período ainda não perfeito. Estou numa espécie de limbo que dá pelo nome de Culture Stress. Quando se cai de paraquedas numa nova cultura, sente-se normalmente um choque, ou Culture Shock, caracterizado pela compreensão da diferença entre as culturas de origem e de chegada. Isso foi o que eu passei no primeiro dia aqui, e que foi uma coisa, não só muito nova para mim (uma vez que não me lembro de a ter sentido, pelo menos tão intensamente, em Inglaterra), como muito difícil de aceitar que estivesse a passar por ela. Eu, que já pesquisara tanto sobre o Japão, que sonho com este país há anos, que procuro aprender sempre mais e mais... Sim, mas saber algo e ser capaz de lidar com esse algo são duas coisas distintas. De alguma forma, esse choque foi "ultrapassado". A razão das minhas aspas é que, na verdade, ele foi meramente recalcado, e permanece activo de forma subtil, mas agora mais profunda e mais difícil de ultrapassar. Para além do Culture Shock, a diferença linguística pode ter consequências devastadoras nas tentativas de adaptação a uma nova cultura. Dia após dia, debato-me com a realidade de que existem muros gigantes em torno das minhas tentativas de comunicar em Japonês. De vez em quando lá retiro um outro tijolo, mas milhões de outros tijolos haverá ainda a retirar. Os meus progressos estão a ser lentos, mas espero que em breve consiga notar diferenças. Aliando todos estes factores, mais o inferno que é a circulação de pessoas nesta cidade (aos magotes em todos os lados; em autenticas lutas pela sobrevivência nos comboios de manhã, à tarde e à noite - em que respirar é uma tarefa hercúlia, e em que ter um cm cúbico de espaço é um oasis no meio do deserto), explica-se o limbo em que me encontro. Tenho reflectido muito sobre o que estou a passar, consigo plenamente avaliar esta situação, assim como os eventuais sentimentos de homesickness que vão ondulando no meu espírito, e para já não creio precisar de ajuda a sério. O simples facto de estar consciente desta realidade, e de saber o porquê dela existir, ajuda o meu cérebro a interpretá-la e fomentar soluções para a resolver. Apesar disso, é um processo que vai ter de se ir desenvolvendo.
Para já continuo a navegar por mares pejados de monstros marinhos gigantes e de criaturas míticas que ainda temo, mas que começam a encolher um pouquinho de cada vez. E qualquer dia, vou conseguir ultrapassar o meu próprio Adamastor...
"Mais ia por diante o monstro horrendo
Dizendo nossos fados, quando, alçado,
disse eu: - Que és tu? Que esse estupendo
Corpo certo me tem maravilhado!
Lusíadas, Canto V, estrofe 49.
“The tragedy of it is that nobody sees the look of desperation on my face. Thousands and thousands of us, and we're passing one another without a look of recognition.” - Henry Miller

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